12 de janeiro de 2025

MANAUS, VÁRIOS NOMES MESMO LUGAR MANAUS, VÁRIOS NOMES MESMO LUGAR

A data em que escrevo é 24 de outubro de 2023, dia em que se comemora o aniversário da capital do Amazonas, e que historiadores e não historiadores se “engalfinham” em polêmica anual.

Como sou um historiador “new school” e não convencional, dada a minha formação multidisciplinar e holística, vejo as coisas de forma um pouco diferente dos colegas mais ortodoxos e mainstream.

Entendo que só a técnica histórica não dá conta de definir a idade de um lugar. É preciso considerar outros pontos. O primeiro e decisivo é a própria noção de lugar. Conceito mais ligado ao fazer geográfico que histórico, para iniciar.

Por exemplo, o grande geógrafo Milton Santos dedica um tópico todo a essa discussão chamado “A idade de um lugar” (pag. 56-59) no livro “A natureza do espaço”.

Basicamente ele nos diz que a idade de um lugar não tem como critério válido único, a sua data de fundação de acordo com o levantado pela técnica histórica convencional. O lugar pode ser definido inclusive pela sua história natural e pelas diversas técnicas utilizadas nos processos de ocupação humana como a produção, comunicação, controle, política, sociabilidade e subjetividade.

Em citação direta a seguinte passagem: “É o lugar que atribui às técnicas o princípio de realidade histórica, relativizando o seu uso, integrando-as num conjunto de vida, retirando-as de sua abstração empírica e lhes atribuindo efetividade histórica”.

O problema é que graças às nossas mentes e epistemes devidamente colonizadas, tendemos a entender como “histórico” somente o “marcos temporais” para a “nossa cultura” ou no máximo o que a hegemonia entende como “clássico” ou “civilizado” de outras. O que faz o resto ser “não história” ou “pré-história” e portanto desconsiderado.

Poderia colocar aqui um vídeo do Presidente Francês Emmanuel Macron, em plena universidade africana, dizendo que “o problema africano é que o homem africano não conseguiu se colocar na História” . Valeria a pergunta “Em qual? e o que é história para você ‘cara-pálida’ ? ” .

Realmente fica bem difícil perceber o “Continuum” do tempo ou considerar marcos outros, quando tais marcos são apenas os que entendemos como “nossos” ou produzidos pelos nossos ancestrais em seus critérios culturais ou de outros considerados “civilizados” e portanto com “direito a História”.

Para não me alongar, deixo um exercício de imaginação. Pense em uma máquina do tempo, que te levasse à determinada coordenada geográfica em várias épocas, e que no seu controle tivesse uma etiqueta para identificar “o lugar”, usando sempre a referência familiar ao viajante. Talvez você não soubesse o nome do lugar utilizado em cada época, mas saberia que está absolutamente no mesmo lugar, com as óbvias diferenças em cada época mas o mesmo lugar… .

Isso tudo para dizer que “a idade de um lugar” não se limita na verdade ao nome que ele tem ou à simbolos e organizações político-administrativas, ao longo do tempo, mas ao próprio lugar geográfico, desde que houve alguma ocupação humana, mesmo transitória.

O aniversário é algo “cívico”, uma data para comemorar oficialmente. Não vejo problema em “celebrar o lugar”, para isso não é necessário um marco específico, qualquer data poderia ser eleita arbitrariamente, com o tempo se tornaria “tradição”, com contagem de tempo ou não e tudo bem. A questão complica pela fixação em celebrar marcos coloniais e burocráticos de administração. Particularmente acho muito “eurocentrado” . Ficaria legal se fosse um evento tipo o dia do ano em que o sol se alinha com algum obstáculo natural provocando uma sombra única no território, sei lá… . Dia do lugarDia do lugar, não de um ato oficial sobre o lugar.

Aparência provável de uma das várias comunidades originárias na região hoje chamada Manaus – Inteligência artificial

Para finalizar, quero compartilhar com vocês um texto maravilhoso que só conheci por coincidência hoje. Tremendo texto de 1987, escrito pelo grande Professor José Ribamar Bessa, e que trata justamente de uma História que muitos querem esquecer, até porque mesmo os cronistas antigos não puderam conhecer em detalhes, mas os registros que fizeram dão conta que o “nosso lugar” começa muito antes de qualquer marco ou forte português… .

Deliciem-se

BARÉS, MANAÓS E TARUMÃS. José Ribamar Bessa Freire. 1987

https://edoc.ufam.edu.br/bitstream/123456789/2170/1/Anexo%20A%20-%201987%20Bar%C3%A9s%20Mana%C3%B3s%20Tarum%C3%A3s%20%28JRBessaFreire%29.pdf

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