Magistério superior: mitos, fatos e arbitrariedades
Por muito tempo pensamos em produzir um texto tratando do assunto de forma mais abrangente e referencial, apesar dos vários ensaios leves feitos e direcionados à insurgências muito específicas contra tentativas de criação de entraves arbitrários para a atuação profissional, formação ou magistério superior.
O ideal seria algo mais formal e de publicação respeitável no “mainstream” jurídico e acadêmico. No entanto, os anos e circunstâncias mostraram que nem sempre o ideal é factível ou eficaz no tempo e condições que temos na vida. Sendo assim, pragmaticamente materializamos aqui sob o adágio “Feito é melhor que perfeito”, breve e simplesmente o nosso entendimento sobre o tema, a fim de propiciar uma visão básica e argumentativa à qualquer um que eventualmente tiver dúvidas ou necessitar fomentar uma linha de defesa para efeitos práticos, incluindo a judicialização.
Começamos então por uma questão relacionada que já provocou muita dúvida, mitos e injustiças por falta de conhecimento dos fatos.
GRADUAÇÃO TECNOLÓGICA
Mitos
A duração menor das formações superiores conducentes ao título de Tecnólogo, hoje menos, ainda levam à entendimento por alguns, de que a mesma é “incompleta” e não seria curso superior equivalente à graduação conferida nas graduações tradicionais conducentes aos títulos de Bacharel ou Licenciado. Há ainda confusão com a extinta licenciatura curta, essa sim com limitações legais para fins de prosseguimento de estudos em nível de pós-graduação Stricto Sensu e magistério superior direto em nível de graduação.
Fatos
A legislação é farta de peças sejam pareceres do CNE-Conselho Nacional de Educação, resoluções, além da própria LDB – Lei de Diretrizes e Bases.
A mais recente é a RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1, DE 5 DE JANEIRO DE 2021 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Profissional e Tecnológica.
“DA EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO
Art. 27. A Educação Tecnológica de Graduação e Pós-Graduação abrange:
I – qualificação profissional tecnológica como etapa de terminalidade intermediária de curso superior de tecnologia;
II – curso superior de graduação em tecnologia;
III – aperfeiçoamento tecnológico;
IV – especialização profissional tecnológica;
V – mestrado profissional; e
VI – doutorado profissional.
[..]
Art. 56. Para o exercício do magistério nos cursos de Educação Profissional Tecnológica de Graduação, o docente deve possuir a formação acadêmica exigida para o nível superior, nos termos do art. 66 da Lei 9.394/1996.
Parágrafo único. Na ponderação da avaliação da qualidade do corpo docente das disciplinas da formação profissional, a competência e a experiência na área devem ter equivalência com o requisito acadêmico, em face das características desta modalidade de ensino.
Resumindo, o tecnólogo é um GRADUADO, tal qual licenciados e bacharéis, esses são apenas graus/títulos que denotam as características e direcionamento profissional das formações, não graus de níveis distintos. Não há limitações para prosseguimento de estudos em nível de pós-stricto sensu, não há impossibilidades de exercício profissional, salvo aqueles destacados pelas regulamentações específicas de cada área, tampouco impedimento para o magistério em nível superior onde sejam aceitos titulados com licenciatura ou bacharelado. Isso vale para qualquer graduado, seja tecnólogo, licenciado ou bacharel.
Ver detalhes em: http://portal.mec.gov.br/escola-de-gestores-da-educacao-basica/323-secretarias-112877938/orgaos-vinculados-82187207/12880-cursos-superiores-de-tecnologia
PÓS-GRADUAÇÃO
Mitos
O entendimento que a pós-graduação se restringe aos cursos Stricto Sensu (mestrado e doutorado) e que o acesso e mesmo o magistério estão absolutamente vinculados ao curso da graduação ou pós.
Fatos
O ensino de pós-graduação no Brasil, regulamentado pela LDB, divide-se em dois grandes setores: a pós-graduação lato sensu e a pós-graduação stricto sensu. O lato sensu pode ser ministrado em dois níveis: aperfeiçoamento e especialização.
A LDB – Lei de Diretrizes e bases (Lei nº9.394/96) é tácita:
“Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:
I – cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino, desde que tenham concluído o ensino médio ou equivalente; (Redação dada pela Lei nº 11.632, de 2007).
III – de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino;
IV – de extensão, abertos a candidatos que atendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino. ”
MAGISTÉRIO SUPERIOR
Diz ainda a LDB:
Art. 66 – A preparação para o exercício do magistério superior se fará em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. Parágrafo único – O notório saber, reconhecido por universidade pública com curso de doutorado em área afim, poderá suprir as exigências de título acadêmico.
Sendo assim claro, não proceder o entendimento que o magistério superior está restrito aos mestres e doutores, muito embora esses tenham PRIORIDADE, o que difere de EXCLUSIVIDADE. Igualmente não procede o entendimento de pós-graduação apenas como os programas de mestrado e doutorado.
Magistério na pós-graduação
O exposto até o momento indica que não há exclusividade para o magistério na graduação. No entanto na pós-graduação (na parte dos cursos lato sensu) também não está limitada apenas aos “credenciáveis” nos programas de mestrado e doutorado, no caso os doutores. Mesmo a afirmação ou a exigência em processo seletivo ou concurso público de que o ensino de pós-graduação seja exclusividade de doutores é falaciosa e arbitrária, visto que apesar do credenciamento em programas de mestrado e doutorado exigir o título de doutor, esse pode ser suprido por meio do notório saber reconhecido, o que na prática abre a possibilidade a mestres ou não com tal reconhecimento.
Prova prática são o programas de mestrado e doutorado em que são admitidos professores e membros de banca sem doutoramento como nos casos abaixo entre tantos outros :
Magistério na graduação
Conforme já mostrado no caso do tecnólogo e do artigo 66 da LDB o qual repetimos abaixo, não há real impedimento para somente graduados exercerem magistério no ensino superior, limitados no entanto aos cursos sequenciais e de graduação.
“Art. 66 – A preparação para o exercício do magistério superior se fará em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. Parágrafo único – O notório saber, reconhecido por universidade pública com curso de doutorado em área afim, poderá suprir as exigências de título acadêmico. ”
Lembrando que PRIORITARIAMENTE não é EXCLUSIVAMENTE.
Magistério no ensino superior Federal
A lei em vigor que o rege diz textualmente:
” LEI Nº 12.772, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2012.
(Vide Medida Provisória nº 614, de 2013)
Texto compilado
Vide Decreto nº 8.239, de 2014
Dispõe sobre a estruturação do Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal; [..] e dá outras providências.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DO PLANO DE CARREIRAS E CARGOS DE MAGISTÉRIO FEDERAL
Art. 1º Fica estruturado, a partir de 1º de março de 2013, o Plano de Carreiras e Cargos de Magistério Federal, composto pelas seguintes Carreiras e cargos:
I – Carreira de Magistério Superior, composta pelos cargos, de nível superior, de provimento efetivo de Professor do Magistério Superior, de que trata a Lei nº 7.596, de 10 de abril de 1987;
II – Cargo Isolado de provimento efetivo, de nível superior, de Professor Titular-Livre do Magistério Superior;
III – Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, composta pelos cargos de provimento efetivo de Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, de que trata a Lei nº 11.784, de 22 de setembro de 2008 ; e
IV – Cargo Isolado de provimento efetivo, de nível superior, de Professor Titular-Livre do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico.
CAPÍTULO II
DO INGRESSO NAS CARREIRAS E CARGOS ISOLADOS DO PLANO DE CARREIRAS E CARGOS DE MAGISTÉRIO FEDERAL
Seção I
Da Carreira de Magistério Superior e do cargo isolado de Professor Titular-Livre do Magistério Superior
Art. 8º O ingresso na Carreira de Magistério Superior ocorrerá sempre no primeiro nível de vencimento da Classe A, mediante aprovação em concurso público de provas e títulos. (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)
[..]
§ 1º O concurso público de que trata o caput tem como requisito de ingresso o título de doutor na área exigida no concurso. (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)
[..]
§ 3º A IFE poderá dispensar, no edital do concurso, a exigência de título de doutor, substituindo-a pela de título de mestre, de especialista ou por diploma de graduação, quando se tratar de provimento para área de conhecimento ou em localidade com grave carência de detentores da titulação acadêmica de doutor, conforme decisão fundamentada de seu Conselho Superior. (Incluído pela Lei nº 12.863, de 2013)
[..]
Seção II
Da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e do Cargo Isolado de Professor Titular-Livre do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico
Art. 10. O ingresso nos cargos de provimento efetivo de Professor da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e da Carreira do Magistério do Ensino Básico Federal ocorrerá sempre no Nível 1 da Classe D I, mediante aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.
§ 1º No concurso público de que trata o caput, será exigido diploma de curso superior em nível de graduação.
§ 3º O edital do concurso público de que trata este artigo estabelecerá as características de cada etapa do concurso público e os critérios eliminatórios e classificatórios do certame. ”
Isso tudo visto, deixa claro não haver real necessidade ou exclusividade do título de doutor para todos postos no magistério superior, seja na graduação ou na pós-graduação (lato-sensu).
Mesmo considerando o magistério no ensino superior federal e a estipulação do título de doutor como “padrão desejável” nos concursos para a carreira ele não é absoluto ou incontornável, isso dependerá exclusivamente das necessidades e contextos dos provimentos pretendidos. Reforça ainda que os critérios serão dados pelo EDITAL conforme esse contexto e necessidade. Cabe às IES produzir editais sem requisitos arbitrários e aos interessados recorrer dos excessos.
Magistério superior e licenciatura
Outro requisito arbitrário é a exigência de titulação de licenciado na graduação para o exercício profissional no ensino superior. A legislação é clara, titulação de licenciado (ou complementação equivalente) só é de fato exigível para o ensino básico. Vide:
Segundo o artigo 62 da LDB: “A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal”
Tal exigência para concursos ou contratações para o magistério superior é no entanto arbitrária, deve e é na prática muito contestada administrativa e judicialmente, já havendo larga jurisprudencia relacionada.
Paulo Cardim Reitor do Centro Universitário de Belas Artes de São Paulo, em “A formação do professor para o ensino superior”, 2016, lembra:
“Prioritariamente”, como reza o art. 66 da LDB, a formação para o magistério superior será realizada em cursos de mestrado e doutorado. Os cursos lato sensu, todavia, não são prioritários para a formação docente para a graduação.
O Plano Nacional de Educação (PNE-2014-2014), aprovado pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, tem duas metas específicas para a educação superior, nas quais a formação de mestres e doutores é tratada somente pelo aspecto quantitativo:
Meta 13: elevar a qualidade da educação superior e ampliar a proporção de mestres e doutores do corpo docente em efetivo exercício no conjunto do sistema de educação superior para 75% (setenta e cinco por cento), sendo, do total, no mínimo, 35% (trinta e cinco por cento) doutores.
Meta 14: elevar gradualmente o número de matrículas na pós-graduação stricto sensu, de modo a atingir a titulação anual de 60.000 (sessenta mil) mestres e 25.000 (vinte e cinco mil) doutores.
Nenhuma das 24 estratégias dessas metas trata da formação pedagógica para o exercício do magistério superior. ” .
Ou seja, nunca houve nem há sequer planejamento ou intenção formal em vincular o magistério superior à uma formação pedagógica como a obtida em licenciaturas. Qual o motivo para arbitrar essa exigência em um edital de concurso para magistério superior, especialmente não sendo o caso específico de matérias com esse viés didático-pedagogico ? Aliás tais competências podem inclusive fazer parte de outras formações do candidato, como uma pós lato-sensu ou mestrado… .
Recomendada a leitura do seguinte texto voltado à juristas: https://www.conjur.com.br/2010-nov-17/exigencia-licenciatura-concursos-institutos-federais-ilegal https://www.conjur.com.br/2010-nov-17/exigencia-licenciatura-concursos-institutos-federais-ilegal
O texto apesar de anterior à Lei LEI Nº 12.772, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2012 e direcionado aos Institutos Federais, não as Universidades, não é afetado na tese, uma vez que a referida lei, também não trata da questão ou determina a exigência de licenciatura para o magistério superior, e o que não está na lei não pode ser exigido, ou ao menos pode ser contestado.
IMPORTANTE, cabe lembrar que é comum na Justiça a negativa do reconhecimento de direito nos casos em que o processo de seleção está consumado conforme o edital, e ainda é reconhecido que não estando eivado de ilegalidades o edital é discricionário da IES. Portanto, “o Direito não socorre aos que dormem”, qualquer insurgência contra as regras e consequências negativas posteriores deve visar principalmente O EDITAL, primeiramente por recurso administrativo e não havendo correção, por imediata judicialização, a fim de interromper o processo ou garantir julgamento positivo mesmo a posteriori.
Enfim, essa é a reflexão que compartilho. Que seja útil para mudar visões, evitar impedimentos arbitrários e permitir avanços em carreiras.