Das “sinhás pretas” às estátuas de Bernini: alhos e bugalhos
Desde a semana passada tomou conta das colunas dos jornalões e também das discussões e espaços midiáticos dos ativistas negros e negras, a polêmica (aos costumes) produzida por um texto de Leandro Narloch, colunista recém retornado da Folha de São Paulo, sobre livro de Antônio Risério (também conhecido polemista) tratando do “Luxo e riqueza das ‘sinhás pretas’ “, título inspirado no do livro de Risério.
Junto veio a provocação aos ativistas e acadêmicos negros, que tais histórias deveriam “inspirar o movimento negro”, sendo que Risério, na sequência, reforçou de forma um tanto “ressentida”, primeiro pelo desinteresse pela sua “obra” nos meios acadêmicos relacionados e “conhecedores do riscado” temático e depois se solidarizando com seu comentador pela enfatica reação mais que esperada da intelectualidade negra. Por outro lado também ocorreram novos textos apoiando os primeiros.
Não pretendo aqui “chover no molhado”, a repercussão está na mídia em N textos antológicos, ao menos pelo lado dos acadêmicos. Vou aqui apenas acrescentar meu pequeno destaque.
Seria interessante que o leitor, não apenas do texto aqui, mas de todos os relacionados, buscasse informações sobre METARRACISMO, o racismo cínico, travestido de “antirracismo”, modo pós-moderno capitalista de tentar perpetuar a supremacia e privilégios raciais brancos, combatendo o verdadeiro antirracismo, ora por deturpação e confusão, ora por desqualificação dos reais atores e demandas antirracistas.
Neste ponto parece que impera a máxima invertida, “não basta ter mentalidade racista, é preciso ser ‘antiantirracista’ ”
Como reconhecer METARRACISMO ? uma pista mais recorrente nos últimos tempos é o uso dos termos “identitários” e “racialistas” nos textos de “lamentações e indignação” contra o ativismo e intelectualidade negra, não fazendo sequer distinção entre o neoativismo agressivo e no mais das vezes equivocado e o equilibrado e embasado mainstream antirracista.
Falei dos alhos, agora vamos aos bugalhos. O texto recente do “pophistoriador” Leandro Karnal, publicado no “Estadão” sobre a obra do escultor Bernini em Roma, remete, de forma digamos “discreta e elegante tentada” à outra polêmica recente e cara ao metarracismo, a defenestração de estátuas públicas que homenageiam ou representam situações ou personagens hoje inaceitáveis. Cabe lembrar que ao menos no Brasil, a nomeação de bens públicos, o que passa por ruas, praças, estradas, prédios e monumentos, que homenageiam figuras notabilizadas pela exploração e apoio às escravidão é proibida por lei, ao menos desde 2013, já escrevi sobre… .
Apesar do contexto diferente em que se insere o questionamento à obra de Bernini, o de gênero, não menos importante, é inferível que o “alvo” mesmo são as estátuas postas abaixo ou atacadas no contexto do movimento “Black lives matter” e do Borba Gato em São Paulo. O autor considera que obras de arte são documentos e não devem ser destruídas simplesmente. Isso per si não é doloso, reacionário ou uma visão absolutamente indefensável.
Em primeiro momento pode parecer também “alho”, e parcialmente talvez até tenha um pouco de pacto narcísico branco, mas é “bugalho”. Karnal, não escreve contra uma visão ativista sobre as estátuas romanas “machistas/sexistas”, ele reconhece que essa é uma visão hoje plausível, não ataca ativistas que a tenham, tampouco defende a manutenção das obras complicadas no contexto de homenagem ou arte pública intocável e descontextualizada, pelo contrário, o que não deixa de ser totalmente razoável.
Temos aí, algo diferente do primeiro caso, não há um antagonista disposto a minorar, desqualificar e trabalhar pela hegemonia e status quo de forma meta, temos uma visão construída a partir de um local de fala peculiar e não doloso, bem diferente dos “alhos”.