1° de maio, Monteiro Lopes, pioneiro do trabalhismo no Brasil
Em 1° de maio de 1909 tomava posse como Deputado Federal pelo então DF, o Advogado pernambucano Manoel da Motta Monteiro Lopes, primeiro deputado federal preto e com discurso afirmativo. Talvez não por coincidência também o primeiro a propor o 1° de maio como Dia do Trabalhador.
Abaixo a transcrição de sua atuação pró-trabalhadores em uma sessão na Câmara:
Pronunciamento do Dep. Monteiro Lopes – julho de 1909
O Sr. Presidente – Dos três Deputados
inscritos, restam apenas dois: o Sr. Dunshee de Abranches, que está
ausente, e o Sr. Monteiro Lopes, a quem vou dar a palavra, depois do que
ficam extintas as inscrições, devendo inscrever-se no próprio dia da
sessão o Deputado que pretender falar na hora do expediente.
Tem a palavra o Sr. Monteiro Lopes.
O Sr. Monteiro Lopes- Sr. Presidente, permitam V. Ex. e os meus ilustres colegas que as minha primeiras palavras interpretem com a maior fidelidade os mais solenes protestos de gratidão e de carinho a uma parte do eleitorado independente e incorruptível, que desde 1903 vem sufragrando o meu humilde nome nas urnas livres republicanas da capital da minha pátria. E que esta gratidão, Sr. Presidente, se estenda à imprensa do norte ao sul do país, que, após o pleito eleitoral de 30 de janeiro do corrente ano, esposou a minha causa, defendendo a legitimidade de meus direitos, quando se vociferava lá fora que a circunstância de meu nascimento era uma condição que impossibilitava a minha entrada nesta Casa do Congresso.
Não venho, Sr. Presidente, discutir o caso, que se me afigura haver passado em julgado diante das manifestações eloqüentes e inequívocas desta Câmara (Muito bem.), recebendo-me em seu seio pelo voto unânime dos Srs. Deputados presentes à sessão.
Conheço o Regimento, Sr. Presidente, e sei que uma das atribuições privativas
da Mesa é a distribuição do serviço para a ordem do dia.
Mas a Câmara também conhece as grandes e extraordinárias dificuldades que dia a dia assoberbam a vida das classes menos favorecidas da fortuna.
Entrei nesta Casa com uma eleição fortemente amparada pelas classes laboriosas.
De todas elas tenho recebido nos difíceis e acidentados transes de minha
carreira política, inigualáveis provas de confiança, verdadeiros pronunciamentos de dedicação exemplar, de modo a não ser possível divorciar-me da grande família operária, do homem do trabalho, do homem da oficina. (Aplausos das galerias.)
É por isso, que desde muito me constituí seu advogado na ininterrupta série dos seus sofrimentos, procurando na razão direta de minhas forças diminuir-lhe os seus inenarráveis sacrifícios. (Muito bem.)
Há nesta Casa dois projetos que constituem as mais justas e nobres aspirações do operariado.
O primeiro e o de nº 166, de 1906, que uniformiza as horas de trabalho e os vencimentos das diversas classes de operários.
Parece-me ter o projeto percorrido todos os turnos regimentais.
Apresentado à Câmara em 24 de agosto de 1906, a Comissão de Constituição e Justiça, pelo seu relator, o Sr. Justiniano Serpa, nobre Deputado pelo Estado do
Pará, adotou-o, havendo um voto divergente, do nosso ilustre ex-colega,
Dr. João Luiz Alves, então Deputado pelo Estado de Minas.
Remetido o projeto à Comissão de Finanças, em data de 3 de novembro do mesmo ano, foram os papéis distribuídos ao eminente Sr. Dr. Homero Baptista, nobre Deputado pelo Estado do Rio Grande do Sul, que, mais uma vez pondo
em destaque o seu amor e intransigência aos princípios republicanos e democráticos, adotou-o em um luminoso parecer em que eu não sei mais o que admirar, se a opulência dos seus conhecimentos científicos na matéria, se a elevação dos sentimentos de justiça de que procurou cercar o problema operário.
Do que não resta a menor dúvida, e está na consciência da Nação, é a grande
injustiça que até hoje se tem feito ao operariado de blusa, ao homem que, exposto às ardências do sol e às inclemências do frio, dá a sua atividade, nas oficinas do Estado ou nas empresas particulares, somente em troca de um salário, sem uma lei, sem uma medida que lhe garanta o seu esforço, que o imunize da miséria, no caso de acidente. (Apoiados.)
Por que este projeto, cuja justiça fora proclamada pelas duas comissões respectivas, não veio ainda à ordem do dia, para entrar em debate?
Aumento de despesa?
Mas esta é pequena, segundo afirmação do nobre Deputado por São Paulo, o honrado Sr. Dr. Galeão Carvalhal, autor do substitutivo, que assim conclui o seu minucioso trabalho:
“As despesas a cargo do Tesouro sofrem um pequeno aumento, mas em regra são conservados os vencimentos dos operários.”
O segundo projeto, a que acima me referi, é o de nº 273, de 1908.
Não preciso assinalar aqui a grande importância e utilidade que traria ao
próprio país a aprovação de semelhante projeto, cuja sanção seria ao mesmo tempo um verdadeiro ato de humanidade.
Ao projeto nº 273 pode-se adicionar ou ajuntar um outro, apresentado pelo
eminente Sr. Medeiros e Albuquerque, o polemista emérito, o jornalista cívico, cuja pena vale por um jornal. (Aplausos das galerias.)
S. Ex. apresentou o seu trabalho nos mesmos moldes liberais do projeto nº 273.
Eu vi, Sr. Presidente, em torno deste projeto se levantarem mais de vinte mil operários bendizendo o nome do glorioso marinheiro, Sr. almirante Noronha, quando S. Ex., na simplicidade de marinheiro, prometia ao operariado da União o seu concurso livre e desinteressado na vitória do direito das classes laboriosas
Peço licença à Câmara para afirmar que no dia da sanção da lei uniformizando a
hora de trabalho, o vencimento do operário, regulamentando os acidentes
e riscos do mesmo trabalho, será definitivamente celebrado o legítimo
consórcio da República e o povo.
Sr. Presidente, não há país nenhum, ainda mesmo de civilização mediana, em que não se encontre lei protetora do operariado.
Conheço, por exemplo, a Dinamarca.
Lá foi promulgada a lei de 6 de julho de 1891, modificada em 1898, na parte em que instituía a fiscalização direta do Estado nos casos de acidentes de trabalho.
Na Inglaterra, nós temos a lei de 6 de agosto de 1897, que contém disposições
francamente liberais, disposições que podem se qualificadas como verdadeiras garantias dos interesses do operariado.
Na Alemanha, temos a lei de 1900, que por sua vez também foi modificada, consolidando as leis de 7 de julho de 1871 e mais ainda a lei de 8 de julho de 1884.
Na Áustria, existe a lei de 28 de setembro de 1887, alterada em algumas das suas disposições em 1893, e mais tarde modificada em 1894.
Na França, por exemplo, nós conhecemos a lei de 9 de abril de 1898,
alterada em 22 de março de 1902, modificada a 21 de junho de 1902, e
ainda ultimamente reformada em 17 de abril de 1906.
Tais modificações da legislação operária em França atestam eloqüentemente a conduta dos poderes públicos diante do grande problema que interessa às classes laboriosas, e o desejo de acautelar os interesses do operariado, de modo que os princípios republicanos sejam uma realidade e não uma ficção.
E como fossem insuficientes as garantias da lei de 9 de abril de 1898, com as suas
modificações de caráter liberal, o telégrafo nos anuncia, há cinco dias, ter o presidente do gabinete francês, Jorge de Clemenceau, declarado que o parlamento adiaria a discussão do projeto que reforma a lei eleitoral, contanto que fosse aprovado o projeto instituindo uma pensão para o operário maior de 61 anos,
Enquanto vemos destes exemplos, eu pergunto à Câmara, que está reservado ao operariado no nosso país?
Dir-se-ia, talvez, que o ministério Clemenceau, agindo do modo aqui descrito, estava influenciado pelas idéias socialistas de Millerand.
Mas, a verdade é que Millerand entrou para o gabinete francês, já no governo
de presidente Dr. Armando de Falliéres, isso há cerca de dois anos, e a lei a que acima me referi da de 1898.
Sr. presidente, o meu objetivo na tribuna é dirigir um carinhoso apelo a V. Ex., para mandar imprimir e dar para a ordem do dia a discussão do projeto nº 166, de 1906, apelo que também torno extensivo às comissões respectivas que estão estudando o projeto n] 273, de 1908.
Venho pedir à Câmara justiça republicana para os humildes, para os operários de minha terra. (Apoiados.)
Sr. Presidente, nós republicanos precisamos nos desobrigar dos grandes e
extraordinários compromissos que contraímos com o povo nos difíceis tempos da propaganda. (Palmas no recinto.)
Nós, os republicanos, precisamos dizer lá fora e provar no recinto desta Casa, ser a República o regímen da ordem, da paz, da justiça…. e do trabalho. (Muito bem, muito bem. Palmas nas galerias e no recinto. O orador é abraçado e cumprimentado.)
(Anais da Câmara dos Deputados. Sessão em 17 de julho de 1909, PP.
460-463.CEDI/ CELEG/SEDOP. Atualização ortográfica feita pelo Ìrohìn.)