Alfredo da Matta, o eugenista (racista científico)
Em tempos em que o antirracismo está efervescente e a discussão sobre a retirada ou derrubada (as vezes literal) de homenagens à notabilizados por escravismo ou racismo, cabe colocar luz em certas biografias em que o racismo possui alguma relevância mas é desconhecido da população.
No caso vamos falar de um nome muito conhecido da população amazonense, sobretudo da capital.
Alfredo Augusto da Matta, nasceu em Salvador, em 18 de março de 1870 e faleceu em Manaus em 3 de março de 1954. Foi um médico e político brasileiro. Graduado em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia em 1893, especialista em medicina tropical, profilática e dermatológica. (WIKIPEDIA)
Enquanto político foi:
Deputado Estadual 1916-1918
Deputado Estadual 1919-1922 quando foi presidente da Assembleia Legislativa da Amazonas.
Deputado Federal – AM 1933-1934
Constituinte – AM 1934-1937
Senador – AM 1935-1937 ( SENADO)
Teve profícua carreira médica, foi tenente-coronel-cirurgião da Guarda Nacional, carreira estendida a cargos de gestão como diretor do Departamento de Saúde Pública do Estado do Amazonas no governo de Antônio Clemente Bittencourt (1908-1910), diretor do Serviço de Higiene da Municipalidade de Manaus, do Serviço de Higiene do Estado do Amazonas e do Instituto Pasteur de Manaus, inspetor federal do Serviço Sanitário Rural, além de diretor do Serviço de Profilaxia da Lepra e Doenças Venéreas, no qual exerceu até 1930. Colaborou para as revistas Brasil Médico e Amazonas Médico, além de ter contribuído com mais de duzentos artigos em outras revistas nacionais e estrangeiras. Publicou inúmeros trabalhos científicos. (WIKIPEDIA).
Sua notoriedade fez com que a instituição que após N denominações e regimes jurídicos a partir de 1.955, sempre atreladas ao seu nome, hoje seja a Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia “Alfredo da Matta”, referência a que se remetem a quase totalidade dos amazonenses ao ouvir o nome.
No entanto, como muitos homens de ciências e intelectuais de sua época, Alfredo da Matta, também foi um entusiasta da eugenia, ou seja, um eugenista, a exemplo de famosos como Nina Rodrigues, Renato Kehl, Monteiro Lobato entre outros.
Mas afinal o que é EUGENIA e EUGENISTA ?
O assunto merece uma explanação mais ampla, por tal não vou tratar dele detidamente aqui. Vou apenas dizer que “grossus modus”, apesar de atribuído a Sir Francis Galton, é um movimento que nasceu a partir do Conde de Gobineau, que foi um tipo de embaixador da França no Brasil, amigo de D. Pedro II e que escreveu sobre superioridades e inferioridades raciais, dizia que o Brasil precisava se livrar da miscigenação e negros para ser um “país civilizado”. A ideia central da eugenia, é a ” ‘melhora’ da humanidade via seleção racial e eliminação dos ‘imperfeitos e indesejáveis’ “. No caso do Brasil, basicamente a ideia era branquear a população fazendo desaparecer o elemento negro ou de aparência miscigenada, uma “arianização”.
Ou seja, a eugenia é uma materialização e solução prática racista. Para se ter ideia, a tônica nazista da “raça ariana” e tudo que veio dela, surge da eugenia… . Deixo aqui o link para um texto detalhado: https://www.geledes.org.br/o-que-foi-o-movimento-de-eugenia-no-brasil-tao-absurdo-que-e-dificil-acreditar/
Há várias evidências da filiação de Alfredo da Matta à corrente eugenista. Por exemplo:
“No final do século XIX e inicio do século XX, o governo norte americano adotou medidas legislativas em vários estados como fator de melhoramento racial. O parlamentar Alfredo da Mata assim se expressa:
O povo norte‐americano, povo de técnicos sempre ávidos de progresso material e social, impregnado de ciência desde as escolas até a imprensa, conhecedor de métodos biológicos de cultura e de criação, é o povo que habita a terra prometida da eugenia. Não pormenorizarei; mas esta ciência faz parte dos programas
escolares e universitários.” (ROCHA,2018)
Falando sobre o documentário “Menino 23”, que trata da escravização em sítio no Rio de Janeiro, de meninos negros pela família Rocha Miranda, ligada ao nazismo brasileiro da década de 30 do século passado temos:
“Segue uma frase de um Deputado Federal chamado Alfredo da Matta em discurso no ano de 1933: ‘A eugenia, senhor presidente, visa a aplicação de conhecimentos úteis e indispensáveis para reprodução e melhoria da raça.’ No tempo que os garotos foram feitos de escravos, o Brasil vivia o ápice da política de superioridade racial e de “branqueamento”, impulsionadas pelo darwinismo social. Isso não faz 200 ou 100 anos: isso faz apenas 89 anos.” (SEE.33, 2020)
Entre a vasta produção bibliográfica de Alfredo da Matta podemos encontrar: DA MATTA, Alfredo. A Eugenia do Amazonas: melhoria racial. In: Revista Amazonas Médico. Ano II- N°8- 1919.
A eugenia no Brasil teve seu ápice no período que antecedeu o rompimento de Getúlio Vargas com o eixo da segunda grande guerra mundial e o consequente banimento do nazismo, integralismo e fascismo aberto no Brasil, e o silenciamento de ideias e práticas que lhes eram circundantes como o racismo científico.
Não digo que é o caso de retirar-lhe as homenagens, afinal elas foram feitas não por essa peculiaridade de sua biografia, mas pelos outros feitos. Porém é interessante que esse detalhe não seja mantido em virtual desconhecimento popular. Muita gente utiliza a ideia de “homens de seu tempo” para “tentar livrar da crítica histórica” a imagem de pessoas do passado hoje reconhecidas positivamente, mas que tem em suas biografias detalhes hoje repudiáveis.
Acho falaciosa a ideia de “homem de seu tempo” para “livrar a cara” de quem em seu tempo fez ou defendeu coisas desprezíveis, me valendo de um argumento muito simples. Em todo tempo e lugar sempre houve dissidência e oposições ao socionormativo, ou seja, sempre teve gente que defendeu valores humanos inalienáveis que antecederam as vilanias e desumanidades de sua própria época, valores que seguem positivados até hoje. Um exemplo foi o médico sergipano Manoel Bomfim, autor da obra “América Latina: males de origem”, de 1905, contemporâneo de Da Matta. Logo não foram “inescapáveis” as posições e atitudes tomadas, foram escolhas… e como tal, não isentam da crítica e do “julgamento” histórico.
Referências
ROCHA, Simone. A educação como projeto de melhoramento racial: uma análise do art. 138 da Constituição de 1934. Revista Eletrônica de Educação, v. 12, n. 1, p. 61-73, jan./abr. 2018. [ Links ]
SEE.33. Vocês já viram “Menino 23”?. disponível em <https://br.toluna.com/opinions/4941878/J%C3%A1-assistiu-o-document%C3%A1rio-Menino-23>