5 de dezembro de 2024

Por anos debatendo a questão das Ações Afirmativas (AA), sobretudo as cotas universitárias com recorte racial, me deparei muito com gente classificando de “racialistas” os que defendiam o recorte racial nas AA.

Ainda hoje vejo o uso de “racialista” como se fosse um racista com “sinal invertido”, nada mais errôneo e injusto. O racialismo é a crença em diversas raças humanas no sentido BIOLÓGICO, instituído por Carolus Linnaeus no XVIII ao criar a classificação homo sapiens e dividi-la em subespécies relacionadas à cor de pele e características fenotipicas prevalentes nas populações de cada continente. No mesmo ato Linnaeus também cria o racismo “científico” ao atribuir características atávicas (determinantes e hereditárias) à cada um dos grupos “raciais”, reservando apenas para os brancos as positivas e para os demais negativas.

Hoje o entendimento de “raça” ou “racial” só é admitido em sentido de construção social a ser superada com relação às desigualdades e determinismos preconceituosos e discriminatórios. Isso não quer dizer no entanto que se pretenda uma homogeneização étnico/cultural e a desconsideração das peculiaridades históricas, culturais e sociais dos diversos grupos.

Portanto, admitir tais peculiaridades e diferenças sociais construídas por milênios e séculos recortados de experiências culturais e sociais coletivas diferenciadas, e principalmente os prejuízos e necessidade da correção das desigualdades decorrentes, não é racialismo, muito menos “racismo as avessas” .

Os entendimentos partidos de dentro de um grupo tradicionalmente prejudicado, sobre sua realidade social, condições efetivas, valores civilizatórios, igualmente a sua memória coletiva e percepções não podem ser desconsiderados na sua totalidade, tampouco cerceado o direito ao ressentimento e as demandas por respeito, autodeterminação e “propriedade” de seus bens culturais.

Se existe uma CULTURA NEGRA, produto do contato e do amálgama secular das culturas africanas traficadas junto com os escravizados e as nativas e européias, isso não quer dizer que deixa de ser peculiarmente negra e diferentemente vivenciada a partir de diferentes origens e perspectivas.

Não há problema algum em qualquer pessoa de qualquer cor ou origem se imiscuir na cultura negra e vivencia-la, mas é importante que entenda que antes de mais nada ela é um bem cultural ao qual se adere, do qual se pode apropriar mas não deturpar, muito menos expropriar o negro, “retirando” dele o direito de controlar primariamente os seus bens culturais ou de se manifestar sobre eles a partir da própria perspectiva.

Quando uma pessoa negra (e não apenas que assim se assuma por realidade e pertença remota ou não, mas que principalmente assim seja vista socialmente e assim se relacione com a sociedade) se insurge contra apropriações indébitas ou questiona a forma de participação não negra na cultura negra, ela não está sendo racialista muito menos racista, ela está apenas chamando a atenção para a diferença de viver a cultura negra sendo efetiva e socialmente negro e não sendo… .

Não precisa ser negro para ser capoeirista ou de religião de matriz africana, mas é preciso conhecer as motivações históricas, reconhecer a essência, as premissas cosmogônicas, filosóficas e principalmente aceitar as regras da tradição e ter alteridade e empatia com quem tem a cultura como herança natural e coletiva… .

É o que não entendem o que dizia o Mestre Pastinha, e dizem hoje muitos praticantes e ativistas negros da cultura negra em suas perspectivas negras.

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