4 de dezembro de 2024

Retrocesso na UFAM ( I ): Cotas na Pós-Graduação canceladas

negro-indio-proibido

Há quase um ano atrás fiz uma postagem intitulada  UFAM inova e lança cotas raciais em Mestrados (vá lá depois, ou vá agora mas não esqueça de  retornar aqui depois).

Hoje retornamos ao tema, porém  no sentido inverso, ao invés de comemorar um avanço, destacamos um retrocesso, as cotas “raciais”  em cursos de Pós-Graduação da UFAM – Universidade Federal do Amazonas, foram canceladas por ato da PROPESP- Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação, em função de parecer negativo da Procuradoria Federal junto UFAM, conforme se pode auferir de tal parecer o “motivo” de forma sintetizada seria o fato de que as cotas universitárias estão previstas por lei apenas na graduação, e que em tese a administração pública só poderia fazer o que fosse taxativamente permitido pela lei, se  não há previsão legal explícita para cotas na pós então “não podem” ser realizadas…, obviamente discordamos desse entendimento, e  vejamos por quais motivos temos uma situação completamente falaciosa no entendimento contido no parecer e na ação subsequente :

a) A autonomia universitária não é uma ficção, cotas na graduação (sociais ou sócio-raciais) existem em graduações país afora desde 2003… quando a lei de cotas é de fins de 2012 (i.e antes de haver “lei específica” já se praticava); o que se questionava até então era a constitucionalidade do critério racial na reserva, questão plenamente resolvida pelo STF ao aprovar por unanimidade o critério racial para o acesso universitário ainda em abril de 2012, e com repercussão geral, ou seja, válido para qualquer situação de acesso não apenas universitário, mas em ações afirmativas em geral (vide cotas em concursos públicos ).

b)  A ideia de que  “A legalidade administrativa significa que a Administração Pública só pode o que a lei permite” e  que  “Cumpre à Administração, no exercício de suas atividades, atuar de acordo com a lei e com as finalidades previstas, expressas ou implicitamente, no Direito”, não pode ser interpretada simploriamente  de forma positivista como “não está escrito com todas as letras em uma lei específica, não vale”,  acima das leis postas estão os princípios, a hermenêutica (em especial os MÉTODOS DA NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL) estão ai para isso mesmo, acima da legislação ordinária está a Constituição, e a definir os princípios norteadores de um determinado campo legislativo/jurídico estão OS CÓDIGOS e OS ESTATUTOS, esses últimos deverão ser consultados para entender os limites do legal e ilegal quando não há legislação ordinária específica ou clara sobre um tema relacionado (ou se pretende criá-la , ou julgar no âmbito do assunto).

c) Cabe bem para tal, analisar o que diz  a  LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010. que  Institui o ESTATUTO DA IGUALDADE  RACIAL :

Art. 3o  Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais e aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a inclusão das vítimas de desigualdade étnico-racial, a valorização da igualdade étnica e o fortalecimento da identidade nacional brasileira.

Art. 4o  A participação da população negra, em condição de igualdade de oportunidade, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de:

I – inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social;

II – adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa;

III – modificação das estruturas institucionais do Estado para o adequado enfrentamento e a superação das desigualdades étnicas decorrentes do preconceito e da discriminação étnica;

IV – promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais;

V – eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada;

VI – estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades étnicas, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos públicos;

VII – implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação, cultura, esporte e lazer, saúde, segurança, trabalho, moradia, meios de comunicação de massa, financiamentos públicos, acesso à terra, à Justiça, e outros.

Parágrafo único.  Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em políticas públicas destinadas a reparar as distorções e desigualdades sociais e demais práticas discriminatórias adotadas, nas esferas pública e privada, durante o processo de formação social do País.

De EVIDÊNCIA SOLAR portanto, que  “a lei” permite de maneira geral a adoção de ações afirmativas com recorte “racial”  através da ” II – adoção de medidas, programas e políticas de ação afirmativa, para a  III – modificação das estruturas institucionais do Estado por meio de IV – promoção de ajustes normativos para aperfeiçoar o combate à discriminação étnica e às desigualdades étnicas o que inclui V – eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da diversidade étnica nas esferas pública e privada por meio da VII – implementação de programas de ação afirmativa destinados ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação; restando mais do que claro que  não apenas NÃO EXISTE VEDAÇÃO como se está PERMITIDO e OBRIGADA a Administração Pública a adotar  EM TODOS OS NÍVEIS  de sua esfera administrativa tais medidas (mesmo que ainda não exista regulamentação específica externa ou interna) .

Por fim, quando se coloca também a resolução 023/2014, que Disciplina os Procedimentos Para a Realização dos Exames de Seleção Para Ingresso na Pós-Graduação Stricto Sensu no Âmbito da Universidade Federal do Amazonas (destaque na imagem abaixo), como “impeditivo” para a utilização de cotas na pós-graduação, nova falácia se impõe, pois nada lá se opõe a tal, muito pelo contrário, a resolução dá a cada programa a responsabilidade de elaborar seu próprio edital, apenas balizando alguns impedimentos (dos quais não constam proibição a adoção de cotas) e definindo alguns itens comuns obrigatórios, dentre eles a IGUALDADE DE CONDIÇÕES que (ao contrário do que alguma visão positivista  possa vir a entender como “absoluta ausência de critérios afirmativos”) é na realidade um indicativo de que as providências necessárias para a ELIMINAÇÃO de DESIGUALDADES (e vimos acima  no item c de nossa análise, ao que se refere o termo e como deve ser operacionalizado) devem constar do edital e dos processos seletivos.

resolução 28-2014propesp

Portanto, a alegação de “não legalidade” para a não manutenção da política de cotas nos programas da UFAM,  não se sustenta…, siga a postagem próxima onde analisando os aspectos políticos e ideológicos por trás de tal situação, RETROCESSO NA UFAM (II):  Problemas conceituais e  equívocos de operacionalização de cotas nas seleções para Pós-Graduação..

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0 thoughts on “Retrocesso na UFAM ( I ): Cotas na Pós-Graduação canceladas

  1. Ke penas, parentes! Nós existimos e resistimos! Muitas vezes quem tá dentro de uma instituição não enxerga, nem imagina e muito menos nem pensa! A politica afirmativa em conciso de uma afirmação do indígena: “eu sou, o que são, sem deixar de ser! Isto para mim é uma vergonha! É uma discriminação intelectual para sábios indígenas. Um dia Napoleão, um dia Imperio Romano desabou! Vamos a luta em favor de nossas sabedorias tradicionais, já nossos pais e nossos avôs já foram reprimidos, já foram desmoralizados, condenados e morreram sem deixar esta riqueza viva e mais uma vez deixar que aconteça, sim ou não!

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