Invisibilização negra, uma questão de desconhecimento ou ideológica ?
Juarez C. da Silva Jr.
Não é raro ouvirmos no estado a repetição da sentença “não há negros no Amazonas !” (e obviamente replicado com relação a capital Manaus), vindo democraticamente tanto de pessoas simples e pouco instruídas quanto de figuras públicas de projeção nacional e instrução esmerada…, até mesmo em publicações oficiais essa negação ocorre (mesmo que não tão direta e explicitamente)
O texto citado abaixo fez parte de um dos sites governamentais locais (hoje não mais disponibilizado em nenhum deles, porém ainda pode ser encontrado facilmente na web pois foi largamente reproduzido em trabalhos escolares sem citação de fonte e sites outros disponibilizados na web) :
“Contribuição Étnica
Uma cidade marcada pelos traços culturais, políticos e econômicos herdados dos portugueses, espanhóis e franceses. Manaus cresceu assim, marcada pelos ciclos de exploração predatória do capitalismo de arribação. Mas, voltando um pouco na história do estado, não se pode esquecer a importância dos ameríndios no quesito contribuição étnica. Foram eles que iniciaram a ocupação humana na Amazônia, e seus descendentes caboclos desenvolveram-se em contato íntimo com o meio ambiente, adaptando-se às peculiaridades regionais e oportunidades oferecidas pela floresta.”
Percebe-se que não há uma palavra sequer a respeito da presença ou influência negra na cultura, etc; ou seja, uma invisibilização por omissão .
O que piora quando uma publicação oficial (figura abaixo) traz equívocos grosseiros, demonstrando o real desconhecimento da temática étnico-racial (vide a definição de “amarelos” na figura abaixo), ou reproduz imprecisões e falácias preconceituosas como no destaque em amarelo, já não mais omitindo completamente, mas com clara intenção de minimizar e reforçar tal invisibilização da presença negra na cidade e no estado.

fonte : http://www.seplan.am.gov.br/arquivos/download/arqeditor/projetos_mapeamentos_economicos.pdf
Entre 1890 e 1925, a Amazônia recebeu número considerável de imigrantes da colônia inglesa de Barbados no Caribe. Na sua grande maioria vieram como mão de obra especializada para trabalhar nas companhias inglesas responsáveis pelos serviços públicos no Pará. “Negros em quase sua totalidade, os barbadianos foram identificados na cidade como negros estrangeiros” 19. A vida social desses imigrantes era organizada em torno da Igreja Anglicana, transformando-a num centro de preservação sua identidade.” (FIGUEIREDO, 2004).
Mais recentemente, próximo da virada do século, se intensificou no meio acadêmico e em consonância com o que já se vinha há um bom tempo sendo demandado pelo movimento negro, um movimento no sentido de reverter tal invisibilização; Luis Pinheiro Balkar e Patricia Maria Melo Sampaio (respectivamente meu Professor e Orientadora no Mestrado) já denunciavam tal invisibilização histórica:
Em artigo recente sobre a presença negra na Amazônia de meados do XIX, Luís Balkar Pinheiro aponta para as limitações de abordagem encontradas na produção historiográfica e conclui que um de seus principais desdobramentos é o fato de que “o ocultamento da presença negra na Amazônia continua efetivo, mantendo incólume uma das mais graves distorções na escrita da história da região.” (SAMPAIO, 1999, s/p)
Novamente citando Patrícia Sampaio em importante e mais recente (2011) obra por ela organizada, “O FIM DO SILÊNCIO: presença negra na Amazônia”, verifica-se a relevância de todos os trabalhos no sentido de eliminar esse persistente silêncio.
[..] tema tido como fundamental nos mais diferentes campos acadêmicos: economia, sociologia, antropologia, direito, além da história, obviamente. Contudo em se tratando de Amazônia e, mais particularmente, do Amazonas, estamos diante de um tema muito pouco frequentado pelos estudiosos. Um silêncio persistente que insiste em apagar memórias, histórias e trajetórias de populações muito diversificadas que fizeram desta região seu espaço de luta e sobrevivência. Esta é uma dívida de muitas gerações que ainda reclama sua paga. (SAMPAIO, 2011, p8 )
De fato, uma nova geração de pesquisadores amazonenses em sua maioria influenciados ou seus orientandos, como Ygor Olinto Cavalcante, Provino Neto, Tenner Inauhiny entre tantos outros, formados e em formação, tem dado significativa contribuição para reverter essa invisibilização.
Corroborado pelos esforços dos militantes dos movimentos de negritude, que recentemente tem alcançado os programas de pós-graduação, como Ednailda dos Santos, Arlete Anchieta, Gláucio da Gama, Socorro Lima , além de outros já mais antigos como o Dr. KK Bonates, trazendo aos poucos a justa reversão do quadro.
Para finalizar, cabe lembrar um dos últimos fatos com relação a essa invisibilidade negra no Amazonas, muitas pessoas afirmam sem maiores constrangimentos, que a população negra na cidade de Manaus só “aparece” ou “cresce grandemente” a partir da chegada dos imigrantes haitianos, refugiados do grande terremoto de 2010, quando em grandes levas chegavam a Manaus, lotando as instalações da igreja São Geraldo, na avenida Constantino Nery, ou circulando a pé aos pares ou grupos atrás de empregos com as indefectíveis pastas com documentos e curriculuns, ocorre que no período de 2010 a 2014 entraram no Brasil, cerca de 34 mil haitianos, desses 20% (6.800) direto de port-au-prince para o sudeste do Brasil, 75% entraram pelas fronteiras do norte (Tabatinga-AM ou Brasileia-AC), pelas facilidades para entrar e seguir por terra a maioria entra por Brasileia-AC, até meados de 2013 mais de 10 mil haviam passado por lá, o sendo a rota preferida o número triplicou desde 2010 , o que deixaria como saldo máximo para a entrada por Tabatinga – Manaus de cerca de 17 mil ao longo de quatro anos, sabe-se que hoje, embora estejam em 286 cidades brasileiras, 75% dos haitianos estão concentrados em São Paulo, em torno de 10% em Manaus (ou seja 3.400) e 7% – cerca de 3 mil – em Minas Gerais.
De acordo com o relatório do IBGE de 2007, em 2000, a Região Norte possuía uma população de 12,9 milhões de habitantes, dos quais 3,6 milhões se classificaram como brancos (28,0%), 641 mil como pretos (5,0%), 29 mil como amarelos (0,2%), 8,3 milhões como pardos (64,0%) e 213 mil indígenas (1,7%). (lembrando que nem estamos entrando na questão dos “pardos” que na região norte tem a especificidade de não ser majoritariamente de origem africana, mas indígena)
A questão é, como é que notaram os talvez 17 mil haitianos que passaram por Manaus e os 3.400 que ficaram por aqui, mas não perceberam os 87.334 pretos brasileiros, que já estavam por aqui pelo Amazonas de acordo com o Censo de 2000, ou os 143.888 de acordo com o censo de 201o… ????; por outro lado ninguém tem dúvidas em colocar o Amazonas como “estado indígena” pelos 168.624 indígenas apurados no mesmo censo (uma diferença + + 0,7% pontos percentuais em relação a de pretos), mas insistem sistematicamente na negação da presença negra ou na sua “alienigezação”, mas (BLUMER, 1939) explica bem isso :
Os quatro tipos de sentimentos sempre presentes no preconceito racial:
- um sentimento de superioridade;
- um sentimento de que a raça um sentimento de que a raça subordinada é intrinsecamente diferente e alienígena;
- um sentimento de monopólio sobre um sentimento de monopólio sobre certas vantagens e privilégios
- medo ou suspeita de que a raça medo ou suspeita de que a raça subordinada deseja partilhar partilhar as prerrogativas da raça dominante.
Pelo resultado das ações práticas, se explica e pode-se identificar os verdadeiros sentimentos que motivam a histórica invisibilização negra no Amazonas.
Mestrando em História Social do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Amazonas (PPGH-UFAM) turma de 2014 e cursista da disciplina Metodologia das Ciências Sociais no Mestrado em Sociologia do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Amazonas (PPGS-UFAM).
REFERÊNCIAS
AFROAMAZONAS. Desenvolvida pelo Movimento Afrodescendente do Amazonas, 2006, Informações gerais sobre a Instituição e referencial teórico sobre negritude . disponível em: < http://movimentoafro.amazonida.com >. Acesso em 18. ago. 2014.
BLUMER, H. 1939 “The nature of racial prejudice”, Social Process in Hawaii, v. 11-20. 1965 “Industrialization and race relations”, in HUNTER, G., Industrialization and Race Relations, Westport, Greenwood.
FIGUEREDO. Aldrin. Belém dos Imigrantes: História e Memória. Belém- Pará. Museu de Arte de Belém , 2004.
GARCIA, Etelvina. Manaus, Referências da História, disponível em : < http://www.manaus.am.gov.br/manaus/referenciasdahistoria/sumario>. acesso em 29. out. 2013.
HAITIANOS BRASIL. Desenvolvida SERVIÇO VOLUNTÁRIO PRÓ HAITI e jesuítas do Brasil em Manaus/Amazonas. , 2013, Informações gerais sobre a Instituição e serviços relacionados. disponível em: < http://haitianosbrasil.blogspot.com.br/ >. Acesso em 18. ago. 2014.
IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em: http://www.ibge.gov.br. Acesso em: 18. ago. 2014.
LIMA, Maria Rosane. Ingleses Pretos, Barbadianos Negros, Brasileiros Morenos? Identidades e Memórias (Belém, Século XX e XXI). Dissertação de mestrado, UFPA. 2004
MONTEIRO, Mário Ypiranga. O folclore afro-negro no Amazonas.
Caderno do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, Manaus, 1987
REIS, Arthur. História do Amazonas, Belo Horizonte: Itatiaia, 1989
SAMPAIO, P. M. O fim do silencio: Presença negra na Amazônia. Belém: Açaí: CNPq, 2011.
SILVA JUNIOR, J. C. A presença negra no Amazonas, 2006. disponível em: < http://movimentoafro.amazonida.com/presenca_negra_no_amazonas.htm>. acesso: 18. ago. 2014.