O rolezinho e a reação metaracista brazuca.
Com esse assunto disseminado neste final/inicio de ano, inicio as postagens de 2014, falando um pouco do “rolezinho” (mobilização de jovens da periferia [leia-se pobres e majoritariamente negros] para “ocupação” de espaços tradicionalmente ocupados pelas classes mais abastadas e “brancas’, em especial os shopping centers).
A reação não apenas dos administradores dos shoppings (reprimindo a prática truculentamente, através das seguranças internas e com apoio de forças policiais) como o posicionamento solidário de lojistas e frequentadores e até manifestações claramente preconceituosas por parte da imprensa, desmascara completamente o que os “neo-democratas-raciais” insistem em tentar negar e “amenizar”, o apartheid prático mas não declarado, estabelecido entre as classes hegemônicas e virtualmente brancas e a “plebe” periférica, pobre e negra… .
Essa juventude que embalada pelo funk ostentação (que incita os excluídos do sistema a querer ser atores ativos no mundo do consumo supérfluo, a compartilhar dos espaços e símbolos dessa prosperidade acessível aos providos de “cidadania plena”), e mobilizada a partir das redes sociais (e muitos dirão: “maldita inclusão digital”) incomoda e assusta as “pessoas de bem” que se julgam as naturalmente e únicas habilitadas ao acesso aos templos do consumo e lazer… .
Os rolezinhos, apesar de “manifestações” pacíficas e dos jovens envolvidos e constrangidos por seguranças e policiais, até então não terem podido ser enquadrados em nada de ilegal ou efetivamente danoso a segurança de lojistas e frequentadores, são reprimidos baseados em… nada de concreto, apenas pelo preconceito, medo e incomodo com essa gente pobre e negra que resolveu coabitar os mesmos espaços de lazer .
Essa insurgência lembra um pouco a história de Franklin McCain, um negro que ousou pedir café no balcão errado da América
Apenas para constar, essa aspiração ao shopping center antecede em muito ao funk ostentação, inclusive o termo “rolezinho” parece totalmente retirado do contextualizadíssimo sucesso do sinistrado grupo Mamonas assassinas, “Chopis Centis” do já longinquo 1995… :
“Esse tal “Chópis Cêntis”
É muicho legalzinho,
Pra levar as namoradas
E dar uns rolêzinhos
Quando eu estou no trabalho,
Não vejo a hora de descer dos andaime
Pra pegar um cinema, do Schwarzenegger
“Tombém” o Van Daime.
Quanta gente,
Quanta alegria,
A minha felicidade
É um crediário
Nas Casas Bahia “
Como já expliquei em muitos dos meus escritos, o metaracismo é o racismo pós-moderno, cínico, velado e na maioria das vezes travestido de defesa da legalidade, da ordem, da igualdade…, sem a intermediação psicológica, violenta e declarada do racismo tradicional, mas que na realidade nada mais é que uma tentativa de manter o Status Quo, de manter “a salvo” os recursos e espaços das classes tradicionalmente dominantes (leia-se ricas e/ou remediadas e brancas), dos postulantes pobres e/ou não brancos a compartilhar tais recursos e espaços… .
Em tal sentido se comprova atualíssimo o que Blumer em 1939 já identificava : “São quatro os sentimentos que, segundo Blumer, estarão sempre presentes no preconceito racial do grupo dominante: (a) de superioridade; (b) de que a raça subordinada é intrinsecamente diferente e alienígena; (c) de monopólio sobre certas vantagens e privilégios; e (d) de medo ou suspeita de que a raça subordinada deseje partilhar as prerrogativas da raça dominante. “ (GUIMARAES, 2004)
Nenhuma novidade no front…
Referências:
GUIMARAES, Antonio Sérgio Alfredo. Preconceito de cor e racismo no Brasil. Rev. Antropol., São Paulo , v. 47, n. 1, 2004 . Available from . access on 14 Jan. 2014. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-77012004000100001.
Belo texto. Também escrevi sobre o tema, se puder dar uma olhada: http://libertariosdaamerica.wordpress.com/2014/01/11/ainda-sobre-o-rolezinho/