O empresariado, os feriados e a Consciência Negra.
Que o empresariado tem como premissa obter a maior produção e venda possíveis, aumentando consequentemente o lucro, não é nenhuma novidade, e perfeitamente compreensível dentro de uma lógica capitalista, afinal todo mundo gosta de dinheiro e o que ele pode comprar (uns mais, outros menos).
É também conhecido o fato que entre quem possui o capital e quem possui o trabalho há não só somente a “troca” interessante, mas também o conflito gerado pelas condições, quantidade e remuneração do trabalho exigido; por N motivos nem sempre os empregados estão interessados em colocar seu trabalho ( principalmente o extra necessário) à disposição da geração de riqueza e lucro para os patrões, ou mesmo para aumentar um pouco os próprios rendimentos, o descanso e atividades não laborais são necessários e abrir mão de tais oportunidades meramente por retribuição extra (ou como é desejo natural da classe patronal, sem extra nenhum) as vezes simplesmente não vale a pena.
Feriados são datas comemorativas significativas para as populações, tem motivação cultural ou cívica (em geral tradicionais), são dias em que em tese, a participação popular nas atividades inerentes a data tem precedência sobre a produção e o trabalho, nossa Constituição Federal (CF) não define textualmente o que é um feriado ou quais são eles, a palavra em si só aparece uma vez em todo texto (no art. 57) e tratando do funcionamento do congresso nacional, quanto a datas comemorativas a CF diz o seguinte :
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
§ 1º – O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.
§ 2º – A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais.
A lei ( infraconstistitucional ) que faz a regulamentação das regras para a fixação de feriados é a LEI Nº 9.093, DE 12 DE SETEMBRO DE 1995., que basicamente divide os feriados em dois tipos : os civis, criados por lei federal mais as datas magnas dos estados, e os religiosos, definidos por leis municipais e restritos a um máximo de quatro por ano.
É de “evidência solar” (para usar expressão em voga e que me apetece) que a lei citada acima, ignorou quase completamente a intenção disposta no artigo constitucional que lhe dá origem, é muito sucinta, remete a criação de feriados federais para outras leis, não se mostra “federativa” pois não atribui claramente aos estados o direito de definir seus feriados de acordo com seus contextos peculiares (a exceção da data magna de cada um), tutela diretamente os municípios, atribuindo apenas o direto de definir feriados religiosos (leia-se católicos) e limitados a quatro (o que na prática só lhes garante um próprio pois três já são nacionais), agora o mais interessante…, onde estão as datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais ??? , podem ser definidas pelos estados ? , somente por lei federal ? , todas se encaixariam indistintamente no conceito de feriado “religioso” ??? (na prática limitado a um específico do município e tradicionalmente católico).
A verdade é que em leitura atenta, a lei apesar de ter ignorado solenemente a autodeterminação parcial de estados e municípios, bem como as peculiaridades “étnicas” de cada um deles, acabou por não retirar completamente a possibilidade de estados e municípios definirem sim seus próprios feriados civis…, o princípio universal do direito que diz que “O que a Lei não proíbe, ela permite”, apesar de aplicável direta e completamente ao direito privado e não ao público, nesse caso gera uma interessante situação, a lei infraconstitucional não definiu a possibilidade de criação de feriados civis pelos estados e municípios (o que em tese impossibilitaria os poderes públicos estaduais e municipais de faze-lo), mas ao não vedar (nem cobrir todas as situações previstas no artigo constitucional que lhe deu origem), permitiu que estados e municípios buscassem diretamente no próprio texto constitucional a autorização para fazer o que a lei infra deveria ter determinado mas não fez… § 2º – A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. , como o sentido de “A Lei” pode ser tanto estadual quanto municipal … e não havendo conflito ou vedação constitucionalmente expressa…, está ai o argumento base.
Outro detalhe, as proposituras vem em geral do legislativo, parlamentares pessoalmente se beneficiam mais desse tipo de ação e tem em grupo (uma vez aprovada nas respectivas casas) menor prejuízo político junto ao empresariado, já o executivo tem tradicionalmente evitado o confronto (pois o comprometimento com o empresariado é bem maior ), não propõem mas também não vetam os projetos de criação do feriado, como as legislações preveem que o executivo tem um prazo para sancionar ou vetar lei aprovada no legislativo, caso vencido o prazo e não havendo por parte do executivo ação, entra em vigor a lei, é a estratégia que tem sido utilizada por prefeitos e governadores para não se indisporem abertamente com a população e nem com o empresariado, solução política e perfeitamente legal.
O dia da Consciência Negra, não configura por si só uma situação tradicional de feriado (sempre uma homenagem ou comemoração a um evento ou personagem histórico ou religioso) , seria então apenas uma data comemorativa, como muitas outras, onde se fomenta a reflexão e se prestam homenagens singelas ao objeto da comemoração, mas sem a necessidade de “feriar”, certo ? ; ERRADO !!!, ocorre que o 20 de novembro é na verdade uma data histórica, simbólica não apenas para a população negra mas para toda a nação brasileira, é a data da morte de Zumbi dos Palmares, segundo herói nacional a compor o “livro de aço” do Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves
monumento oficial brasileiro dedicado a seus heróis nacionais, o primeiro a compor o “livro de aço” foi Tiradentes; portanto tal qual o feriado da Inconfidência mineira, o feriado de Zumbi e dos Palmares já deveria ser feriado nacional há um bom tempo, talvez pelos mesmos motivos que tem alta significação em especial para a população negra (já que Zumbi era negro e o Quilombo de Palmares um símbolo de resistência anticolonial mas principalmente negra e antiescravista ) ainda não o seja…, visto por todos os ângulos, Zumbi e Palmares (quase um século de resistência beligerante), são muito mais heróicos e pioneiros na luta pela liberdade no Brasil do que a Inconfidência mineira (mais uma ideia insurgente que um fato de insurgência) e Tiradentes (martirizado em exemplo).
Portanto, o dia da Consciência Negra, sobreposto ao dia de Zumbi dos Palmares, diferentemente de alguns feriados tradicionais mas sem apropriação ideológica popular, não é na prática um ” feriado para tomar cachaça e se divertir”, claro que para boa parte da população alienada politicamente, (assim com em outros feriados) de certo impere esse mote, porém dentre os feriados cívicos é o que detém maior grau de participação popular imbuída no objetivo político da data, tente lembrar caro leitor, de qual atividade cívica ou minimamente relacionada ao objeto do feriado, você participou nos dois últimos feriados da proclamação da República, Independência ou Tiradentes?, ou imaginando ser uma pessoa que se define como católica, em quantos feriados religiosos por ano participa ativamente de procissões, etc ? ; agora olhe para a foto que ilustra ao artigo e veja o que muitas daquelas pessoas que os patrões gostariam de ver multiplicando sua riqueza, fazem com o feriado.
Mesmo com tudo isso, ainda vemos empresários (e o pior alguns empregados) aplicando ao 20 de novembro a alusão de feriado “completamente desnecessário”, não apenas pelo “prejuízo” que tem, mas principalmente pela mentalidade racista, que insiste em desqualificar tudo que se relacione a população negra, seus valores e interesses; por meio de suas entidades representativas sempre estão a tentar embarreirar o feriado onde ainda não é, ou a “passar por cima” onde já é uma realidade, também não vemos insurgência oficial alguma contra os feriados tradicionais, logo, fica claro o ponto diferencial.
Como diria Einsten “É mais fácil desintegrar um átomo que um preconceito” .
Esse é mais um dos horrores do preconceito.Parabéns o artigo está conciso e pontua os direitos adquirido no rigor da lei.Ótimo trabalho.
Thanks…