12 de fevereiro de 2025

O mais recente viral da web, é a discussão sobre um já não tão novo vídeo em que o famoso ator Morgan Freeman (dispensa apresentações, mas apenas para contextualizar para algum alienígena, ou alguém recém-saído de um coma de 30 anos possa entender.., é negro), em que perguntado em uma entrevista, sobre a sua opinião em relação à prática brasileira de se ter um mês ou dia da consciência negra, o mesmo critica tal necessidade.

Não é difícil dizer de onde vem (justo na época de alta visibilidade provocada pelo dia da consciência negra) esse “providencial requentamento” do vídeo, artigos entusiasmados e aplausos fervorosos ao “desapego” de Freeman a uma situação tão cara não apenas para a militância negra brasileira, mas até para aqueles negros não ativistas, que aproveitam o dia da consciência negra para demonstrarem um mínimo de orgulho afirmativo… .

Vem e é obvio, das mesmas bandas daquele pessoal que após grande esforço meta-racista, viram sucumbir suas intenções de barrar as ações afirmativas para a população negra, como por exemplo a aprovação das cotas universitárias com recorte racial.

Depois do “chororô” pela derrota de seus argumentos e também de um anunciado e merecido ostracismo; sim eles estão de volta…, os neo-democratas-raciais ganham novo fôlego em sua cínica campanha anti-negro, e pensam não ser qualquer fôlego, mas um fôlego internacional, renomado e o “melhor de tudo” negro… (nada dá mais satisfação aos neo-democratas-raciais meta-racistas do que poder “usar” um negro como “capitão-do-mato” para suas intenções desagregadoras) .

Falando sério ?, não dá para se considerar a “relevância” ou “propriedade” do discurso de “deixa tudo para lá ” do agora aplaudidíssimo “discurso freemista”, tendo em vista Morgan Freeman ser um negro milionário, em uma terra de muitos negros milionários ou em altas posições sociais, aonde há uma centenária e bem desenvolvida “economia negra”.

Considerando ainda que em seu país os negros já fizeram seu “jogo pesado” contra o racismo e desigualdade há mais de 40 anos atrás, apelando para ações nada passivas à exemplo da famosa campanha dos ônibus, depois das marchas em multidão pelos Direitos Civis, partido dos panteras negras e dezenas de movimentos culturais afirmativos que iam desde a adesão ao islamismo, passando pela estética do Black Power, a premissa do “Black is Beautiful” e inclusive se beneficiando de ampla política de cotas e welfare ou bem-estar social.

Não vamos nem nos aprofundar nas diferenças obtidas do processo de emancipação com reparação ocorrido ao final do seu período escravagista, comparado com a nossa Abolição (no popular um simples pé-na-bunda sem maiores preocupações) ), faça o que eu digo, mas não faça ao que eu faço, não “cola” mais… .

Freeman, não é brasileiro, nem “brazilianista”, por mais inteligente e viajado que seja, não conhece nem entende suficientemente a mecânica brasileira de racismo e anti-racismo, aliás duvido que sequer tenha noção considerável do contexto amplo da diáspora africana fora dos EUA… (apesar de ter dirigido e atuado em vários filmes sobre a situação em África), sua opinião “Black-Yankee” ao contrário do Dólar, aqui não vale nada…, portanto fica a pergunta: “Quem tem medo de Morgan Freeman ? “

É melhor os neo-democratas-raciais brazucas arranjarem um outro “espantalho”, pois esse (assim como todos os anteriores) não vai resolver o problema dos “fazendeiros” insatisfeitos com o avanço dos indesejáveis sobre seus domínios… .

EM TEMPO , eu não havia visto o vídeo, apenas os comentários e artigos, ocorre que 1- O vídeo inicia diretamente na pergunta (fica difícil entender o contexto) , 2 – Pelo áudio percebe-se que a pergunta foi sobre um “MÊS DA HISTÓRIA NEGRA” (e num contexto norte-americano), ou seja, quem legendou o fez propositalmente para induzir ao erro quem não domina o inglês…

Isso muda um pouco as coisas (mas só um pouco), portanto, retiro a parte sobre o entendimento de freeman sobre a questão brasileira e sua “intromissão” (coloquei o trecho “desilumidado”, mas apenas isso, o resto permanece válido) , acrescento o seguinte:

Montagem by LiHS – Liga Humanista Secular do Brasil

Sem maiores comentários, Luther King, não viu a fala de Freeman mas tinha a resposta perfeita para ela décadas atrás… .

Sobre o autor

0 thoughts on “Quem tem medo de Morgan Freeman ?

  1. Adorei seu texto! De fato, não há nem comparação entre a vida dos negros nos Estados Unidos e a vida dos negros aqui no Brasil. E parar de falar em preconceito racial no Brasil é favorecer uma minoria branca que quer continuar no poder. Para o Sr. Freeman (e para muitas pessoas que não entendem a causa da luta) é fácil falar!

  2. Na verdade, o entrevistador perguntou o que ele achava do “Mês da História Negra”
    (“Black History Month” ) dos EUA.
    Ele não está falando do Brasil.
    Pessoas desonestas traduziram errado.

    1. Verdade Fábio, eu ainda não tinha visto o vídeo, só trabalhei em cima dos comentários e artigos que vi ai pela web, já fiz uma “intervenção” no texto a fim de corrigir o detalhe, grato pelo comentário e apareça sempre aqui pelo nosso blog. Abração.

  3. para acabarmos com o racismo para éprecioso so uma coisa, o mundo precisa entender que somos todos iguais. e outra coisa temos que parar de falar desta pandemia.

    1. Beto, não vai ser dando uma de avestruz (escondendo a cabeça em um buraco e fingindo que o problema/perigo não existe) que ele vai desaparecer…, é preciso denunciar sim, falar dele, conscientizar até o dia em que o comportamento do racistas de fato mude e ai sim não havendo efetivamente mais racismo, não haverá mais porque dar combate ao que não existe mais, enquanto isso…

  4. Concordo plenamento com Freeman. Não se pode confinar a história de qualquer grupo social que o valha em um único mês. Para alem disso, muito determinar a história do Brasil em um esquema definido pela dicotomia brancos versus negros. Sobretudo, minimizar a noção de economia a idéia de enriquecimento quando quem movimenta a economia do mundo real são, justamente, os não ricos.
    Por ser negra não posso negar em mim aquilo que existe de branco que ultrapassa a cor da minha pele. Por outro lado, não é possível negar aquilo que em mim e em tantos brancos é obvimante negro mesmo que não imediatamente visto. A luta contra o racismo não pode passar, como nos informa Zizek, pela afirmação exclusiva da identidade. Antes pela afirmação de uma identidade que ultrapassa uma determinação natural que, a rigor, é esta mesma histórica.
    Sinto-me profundamente envergonhada em ver posta em bases tão racistas em obliteradas do conflito real – que é histórico e se relaciona ao trabalho e não exatamente a cor da pele. Nos termos que já pus, sempre quis interpelar um militante do movimento negro e perguntar a ele “o que devo fazer com a minha mãe branca que casou com meu pai negro? Jogá-la no lixo, negá-la como parte de mim? Rejeitá-la porque, afinal, não cabe na noção mistificadora de umaafro-descendência que o movimento negro se encarregou de naturalizar escorregando-a da cultura e passando-a ao ventre e ao sangue?
    Saudações,
    J.

    1. Cara J.

      A maioria das premissas e questionamentos que você coloca já foram confrontadas ou respondidos por teóricos respeitados,bem como, por anônimos estudiosos da temática.

      Vou tentar abordar pontualmente :

      1- A ideia de datas ou períodos voltados à divulgação ou reflexão sobre uma temática não é a de “confinar” mas simplesmente dar destaque e fomentar o interesse geral e a reflexão sobre temas que não fazem parte da “pauta” normal ou cotidiana da sociedade (por refratariedade tradicional da mesma),ou seja, SE o conhecimento que se deseja evidenciar fosse REALMENTE generalizado e INTEGRADO ao plano cotidiano, de fato não seria necessária essa concentração ou amplificação delimitada, ocorre que NÃO É… e até que seja essa é a melhor estratégia,caso contrário ele nunca será integrado, generalizado e naturalizado.

      Na prática, hoje se você perguntar aleatóriamente à alguém escolarizado sobre mitologia grega ou sobre os eventos náuticos portugueses e espanhóis nos “descobrimentos”, irá ter algumas respostas corretas, mas se perguntar sobre mitologia africana ou as circunavegações chinesas (que já tinham um mapa mundi completo 70 anos antes de Colombo nascer…), ou sobre as expedições africanas à América (Abubakar III, também muito antes de Colombo),não vai ter respostas, pois a História ensinada nas escolas ou corrente no cotidiano é eurocêntrica não inclui as conquistas nem o protagonismo de povos não-europeus no processo civilizatório mundial, esse desconhecimento reforça preconceitos,inferiorizações e uma mentalidade que sustenta por exemplo o racismo… .

      2- Não sei a “qual ZizeK” você se refere, mas o que eu tive oportunidade de pinçar por ai não coaduna com esse discurso de “deixa prá lá” e identidade não passa por cor…, exemplo: “vivemos um novo tipo de racismo, um racismo pós-moderno, um “meta-racismo”, que pode perfeitamente assumir a forma de um combate contra o racismo. Essa RESISTÊNCIA CÍNICA pode ser encarada como uma das vicissitudes da atual abertura proposta pelo liberalismo e seu projeto de re-invenção da democracia e do discurso dos direitos humanos” (Zizek 1995), e no caso ele não está se referindo aos naturais combatentes ao racismo (obviamente os que são atingidos por ele ou os que lhe são de fato solidários) mas sim aos denegacionistas do racismo ou aos que tentam manter os efeitos dele porém atuando de forma cínica e dissimulada, com um discurso que pode parecer anti-racista mas na realidade tem a intenção de neutralizar a insurgência dos verdadeiros combatentes ao racismo.

      3- A questão da afirmação da Identidade…, primeiro é preciso entender o termo AFIRMAÇÃO, que no sentindo sociológico significa REABILITAR,RESGATAR,CONDUZIR OU RECONDUZIR A UMA SITUAÇÃO JUSTA, aqueles que compartilham uma identidade estigmatizada/discriminada, lembrando que identidade não é uma mera questão de escolha, pois gira em torno de 3 eixos, 1º Como a pessoa SE vÊ, 2º como ela É VISTA e 3º a REALIDADE, no caso do negro se ele é visto como negro (e ai pouco importa sua auto-identificação ou não), a sua realidade (vida) será afetada pelos preconceitos e discriminações que tradicionalmente a sociedade estabeleceu para esse grupo identitário (pode ser em maior ou menor grau, mas será…), logo, não é apenas a auto-aceitação, auto-identificação ou auto-valorização da identidade que resolve a questão, mas é um passo importante para que “OS OUTROS” (aqueles que não compartilham a mesma identidade) também adquiram respeito pela identidade “alheia”.

      4- Quando você diz “conflito real – que é histórico e se relaciona ao trabalho e não exatamente a cor da pele.”, está “comprando” o discurso da neo-democracia-racial, um discurso profundamente meta-racista, pois tenta desconsiderar a cor (variável determinante mais do que comprovada em todos os indicadores sociais e trabalhos científicos da temática) como variável preponderante da posição histórica do negro nas relações de trabalho/produção e mobilidade social, ai eu me socorro em Hasenbalg,”o racismo realizado em e através de um conjunto de práticas materiais de discriminação racial, é o determinante primário da posição dos não-brancos nas relações de produção e distribuição” (Hasenbalg, 1979, p. 114).
      Cabe lembrar também que a realidaden ão encontra abrigo no discurso marxista ortodoxo que insiste na premissa de que existe apenas a luta de classes sem levar em consideração que em países como o Brasil existe forte correlação entre Cor/classe. (basta olhar esse gráfico de renda x cor), também indica que o eixo do racismo não é uma questão meramente “cultural” é hoje antes de tudo sócio-econômica.

      5- Com relação à comum inquietação e conflito psicológico dos que possuem múltipla origem ancestral geográfica ou étnica, ou seja, miscigenados (desconsidero o termo “mestiço” pois remete à equivocada ideia de diversas raças biológicas entre humanos, além de ter sido apropriada politicamente por grupos a serviço dos interesses dos meta-racistas neo-democratas-raciais), se você for estudar sobre a tese da hipodescendência (também conhecida por “Lei de Marvin Harris”, brilhante antropólogo norte-americano faleciodo em 2002), vai descobrir que em absolutamente TODAS as sociedades e culturas do mundo e em todos os tempos, os miscigenados sempre foram socialmente alocados no grupo social (no caso a “raça” ou a etnia) menos socialmente valorizado das múltiplas origens ancestrais,exemplos:se no Iraque o grupo dominante é o SUNITA, um filho de sunita com Xiita, jamais será considerado sunita pelos sunitas, ele será socialmente alocado no grupo não hegemônico, a mesma coisa ocorre entre os judeus, quando eles são os hegemônicos expurgam os miscigenados para “o outro” grupo, idem nas relações interétnicas em Ásia, África e nos grupos nativos americanos.

      O mesmo ocorre nas modernas sociedades multiculturais/multiraciais como o Brasil…, aqui a Hegemonia social é branca, logo qualquer miscigenado é automaticamente “jogado” no grupo da outra origem… é o seu caso (e também o da minha única filha…), não importa o quanto gostem das suas mães brancas e vice-versa, não importa se metade dos seus parentes são brancos…, eles fazem sim parte da sua história e de suas afetividades, e em nível familiar tudo bem (as vezes), porém para a sociedade e para todos os efeitos sociais vocês são e sempre serão NEGRAS (como seus pais)…, portanto é mais saudável que psicológica, identitária e politicamente assumam isso, ficar clamando pela “branquitude parcial” legada pelas mães é apenas motivo de adoecimento e sofrimento psicológico e desencanto diante das barreiras que como negras se supõe irão enfrentar por toda vida (ou até que efetivamente o racismo se extingua).

      Nós militantes esclarecidos dos movimentos negros, não lutamos por qualquer tipo de segregação ou “supremacia” racial, lutamos apenas para que toda a diversidade seja assimilada de forma justa e equilibrada ao longo de toda a sociedade brasileira, econômica,política, estética e culturalmente,no dia que isso acontecer plenamente, de fato não seremos mais necessários…; se você encontrar militantes pregando outras coisas ou ao contrário disso, saiba que não são de movimento negro, mas sim de “movimento preto” uns equivocados da luta. vide :

      http:/blogdojuarezsilva.wordpress.com/2011/12/08/movimentos-negros-ou-movimentos-pretos-a-abrangencia-x-a-radicalizacao/

      Bom, é isso ai 🙂

      Um Afroamplexo !
      Juarez

      1. Bom, Vamos lá! Adoro um bom debate e espero que entenda este nosso intercurso desta forma. Embora, acusar-me de meta-racista tenha sido bastante indelicado. Principalmente, porque não pode existir um meta racismo que não seja justamente por dentro da reflexão de uma raíz étnica que transforma heranças naturais em elemento de realidade sociail Quando é justamente o inverso: são as relações sociais de estruturação social que, a rigor, dão sentido a qualquer que seja a herança natural fenotípica do sujeito.
        Responderei também tópicos ao temas que você nos coloca (a todos os seus leitores).
        1) O lugar dos negros e mestiços sempre esteve integrado ao nosso cotidiano, sobretudo, entre as classes subalternas. Pensando de muitas formas e transformado em inimigo potencial em 1808 (pela intendência de polícia recém criada), ora, em orgulho da nação (como por Luiz Gama que orgulhava-se de sua mãe por ter resistido à educação católica). O que não houve – e aí acho que devemos ser rigorosos por que palavras não são apenas palavras: elas definem o contorno do que podemos e desejamos fazer – foi a integração de grupos de negros aos extratos mais elevados da sociedade. Embora, não tenham sido poucos aqueles que trabalharam arduamente nas esferas da política e tornado-se sujeitos com elevada renda. Isto é revelador, posto que, determinada que não existem “os negros” como grupo social. Mas sim grupos sociais dos quais os negros fazem parte. Não nos é dado o direito, se formos honestos, de dizer que José do Patrocínio, Machado de Assis ou “Eu”, que sempre tive uma vida tão confortável, sejamos chamados de oprimidos.
        De modo que, o cotidiano a que você reivindica participação não é o cotidiano geral porque isto é uma abstração. Reivindica participação no cotidiano dos negros milionários ao qual se refere em teu texto principal. De modo, mais uma vez, palavras delimitam exatamente as intenções do fazer do sujeito. Sua luta localiza-se na orientação do desejo de ser algo por dentro de um sistema, integrar-se a ele. Uma metodologia liberal para a solução do problema que como diz o próprio Zizek “Os liberais que reconhecem os problemas dos excluídos dos processos político-sociais formulam seu objetivo como inclusão daqueles cuja voz não é ouvida […] A obcessão desse discurso democrático é a proteção de todos os tipos de minorias […] A fórmula da democracia é a negociação paciente e o compromisso. Aqui o que se perde é a posição proletária, a posição de universalidade personoficada nos excluídos” (2011). Junto a Baudiou, Zizek nos esclarece em seu belo texto sobre a falsidade de uma reflexão étnica quando, a rigor, ela é política, social e histórica. É a infância do pensamento, em suas palavras.

        1- 2) Outro ponto importante sobre a abordagem histórica a que se refere trata-se do fato de que os europeus expandiram sua civilização por todo o mundo. Distintamente dos EUA (que não constrói nada, apenas destrói e aí também destruiu o modelo de movimento pelos direitos civis – fundado com Du Bois – através do uso do pastor que tanta gente idolátra, qual seja, Martin Luther King), o continente Europeu não destruiu apenas, mas construiu. Construiu e lhe oferece até mesmo as bases do nosso dialógo no momento. Todas as tuas argumentações e as minhas também tem bases filosóficas e políticas no continente Europeu. Sendo você um democrata liberal – o que fica óbvio – e eu uma alinhada ao pensamento de esquerda. A abordagem da história da China pouco se relaciona com nossa identidade brasileira. Os elementos de nossa cultura encontram bases no continente europeu e sob-repticiamente no continente africano. O que é fundamental e igualmente importante, mas também os africanos estabelecem as bases de suas ações e discursos em bases européias. O processo foi brutal sem dúvida, mas a negação do óbvio sob a pecha de criminalização do homem branco europeu é quase tão absurda quanto a negação da obviedade de que os INSURGENTES HAITIANOS COMPREENDERAM OS VALORES DA REVOLUÇÃO FRANCESA MELHOR DO QUE OS PRÓPRIOS FRANCESES. Recomendo mais uma vez, Zizek (Primeiro como Tragédia, Depois como Farsa).
        A ideia de que o reconhecimento de uma perda na dialética da história reforça o racismo, sobretudo, quando esta perda teve participação ativa daqueles que supostamente pertencem ao meu povo (não pertenço a um povo negro: a cor da minha pele não pode determinar laços que só podem ser construídos culturalmente. As relações sociais são determinadas pela história e nao pela natureza) é ingênua. Pior, oblitera o instrumental teórico que tão lindamente permite a belissíma Chimamanda Adichie tratar sobre as inúmeras possibilidades de se pensar a história. Obvimante, ela fala sobre o lugar do narrador e não sobre o conteúdo da narrativa em si. É uma moça inteligente! E compreendeu que é extremamente racista pensar em bases naturais sobre aquilo que é histórico e absorveu os valores da modernidade para criticar sua tradição nefasta contra as mulheres e a sua própra modernidade traduzindo a cultura singular dos nigerianos.
        Este ponto termino com a fala de Frantz Fanon, um ativista negro de esquerda e não liberal: “De modo algum tenho de me dedicar a reviver uma civilização negra injustamente ignorada. Não farei de um o homem de um passado qualquer. […] Minha pele negra não é repositório de valores específicos. […]Será que não tenho nada melhor que fazer na Terra, além de vingar os negros do século XVII? […] Como homem de cor, não tenho o direito de esperar que haja no homem branco a consolidação da culpa pelo passado de minha raça”. Como Fanon, também não espero vingança, tampouco, aceito como depositório da cultura a cor da minha pele. A relação é justamente inversa.

        3) Um ponto importante sobre o debate que estamos tendo (e que estou gostando) diz respeito ao fato de que não se trata da negação do racismo. Mas da crítica sobre como a condução do problema tem sido realizada. Revindicar o conhecimento histórico sobre a participação dos homens negros na sociedade com fins de desistigmatizá-los (a palavra não existe. Perdoe o neologismo) é fundamental. Acreditar que exista uma história de homens negros ou brancos é simplesmente absurdo. Estamos inseridos na história de modo dialético e recorrer o modelo de história inventada pelos democrátas liberais não resolve o problema: isto sim reafirma o racismo. Sinto, mas é o que reivindica. Mais uma vez com Fanon “Ficaríamos muito contentes de saber que existe correpondência entre algum filósofo negro e Platão. Mas não podemos absolutamente ver como isso mudaria a vida de meninos de oito anos que trabalham nos canaviais da Martinica ou de Guadalupe.” Mais uma vez, Fanon nos revela o que efetivamente deseja o movimento negro ao conduzir sua luta. Ir além deste comentário pode ser indelicado.

        Em tempo, a vida de todas as pessoas são afetadas por algum tipo de preconceito. Que em condições históricas especifícas levam ao genocídio. Aceitar que este é o curso natural da história, Juarez, isto realmente eu não consegui compreender como postura tua. Os conflitos etnicos que citou foram todos produzidos em condições de extremo conflito econômico e disputas territoriais inseridas em naqueles mesmos conflitos. Não trata-se de uma natureza o direcionamento da violência de um grupo contra outro grupo. A história dos judeus, sunitas e xiitas são distintas da história entre os grupos sociais no Brasil. E a rigor, o controle das forças sociais de Estado estão sob poder as minorias e não das maiorias em qualquer lugar do mundo (embora, esteja assim como resultado de processo histórico e não como evento natural). Do modo como coloca então não existe nenhuma solução para a discrminação e o preconcento porque ele é natural em qualquer lugar do mundo. Creio que se equivocou no argumento. Tentou dizer algo e disse outra coisa. Ao menos, é o que espero!
        ****
        Sou obrigada a dizer-te que as consequencias do racismo foram muitas em minha vida. Mas não negarei minha mãe por mais que você argumente que assim deva ser.

        Saudações e aguardo resposta. Estarei novamente conectada apenas daqui há quinze dias.

        ffefenotípica do sujeito

        1. Cara J.
          O seu estilo de escrita e argumentação me lembra muito uma grande companheira de luta, com a qual compartilhei o controle da comunidade COTAS SIM no Orkut, palco de grandes debates ao longo de coisa de seis anos, ela costumava dizer que seu estilo “acadêmico” de discussão, altamente orientado à interpretação teórica de fontes de alto nível, contrastava, porém era complementado pelo meu estilo “práxis” + embasamento “holístico” :-).
          Vou tentar ser mais sintético e me ater apenas ao pontos principais do seu novo post, já que em outros ou já me posicionei no anterior ou são de menor relevância.

          Primeiro, não a acusei de meta racista, apenas explanei do que se tratava e disse que você “comprou” o discurso típico do meta racismo…, é situação semelhante a de quando digo que alguém tem mentalidade racista; isso não é o mesmo que “acusar” alguém de racista (que é alguém que não apenas tem a mentalidade racista como também a materializa em atos práticos e discriminatórios), apenas significa que o modo de pensar, ou seus valores, foram introjetados de conceitos verdadeiramente racistas (em geral nem percebidos), por outro lado, o real racista ou meta racista é necessariamente alguém do grupo que se beneficia dele, logo, não é uma pecha que se possa aplicar a pessoas do grupo historicamente prejudicado, ou seja, no caso o grupo de pessoas não-brancas… (e pelo que entendi você faz parte desse grupo), quando muito caberia observar que os que coadunam com tal mentalidade e práticas, são em verdade vítimas patéticas da perversidade do racismo, que acabam sendo usados para os interesses dos históricos opressores tal qual o eram os capitães-do-mato.

          A base referencial que utiliza é excelente (mas poderia trabalhar coisas mais contextuais e objetivas) apesar de me parecer que o entendimento que extrai dela é totalmente invertido ao seu real sentido, aquele que faz acoplamento lógico entre a teoria e a realidade fática, por exemplo, ao dizer “são as relações sociais de estruturação social que, a rigor, dão sentido a qualquer que seja a herança natural fenotípica do sujeito”, em outras palavras você está dizendo que é a estratificação social hierarquizada (“coincidentemente” com alta correlação de cor) que explica/dá sentido a cor de quem está nela… , “o rabo abanou o cachorro” :-), na equação social não é a estruturação que define ou explica a cor, a cor é inata, variável natural, mas é a partir dela que se fez a estrutura vigente, e não há como negar em termos gerais a correlação cor/classe na estrutura social brasileira, aliás, essa dificuldade e resistência por parte de marxistas ortodoxos e mesmo alguns mais flexíveis não é novidade, Clóvis Moura que militou no PCB enfrentou essa resistência por muito tempo, “os PCs brasileiros, bem como os latinoamericanos, tinham dificuldades em entender a questão “raça”/classe que envolve a problemática do afrodescendente brasileiro, bem como do afrodescendente latino-americano” (Moura, 1994).
          Ah! Aproveitando o gancho, não sou um “Democrata liberal”, prefiro me definir como de “esquerda esclarecida” (ou seja, plenamente de acordo com os objetivos de termos uma sociedade efetivamente justa e solidária, mas livre da doutrinação e lógica socialista ortodoxa).

          Retomando, quando diz “ O lugar dos negros e mestiços sempre esteve integrado ao nosso cotidiano, sobretudo, entre as classes subalternas.” vejo uma verdade e três problemas, o primeiro é essa delimitação…, por qual motivo “sobretudo, entre as classes subalternas” ? (e mesmo lá, tem certeza que é igualitário ?) , o segundo é, em uma sociedade onde nas suas próprias palavras “o conflito real – é histórico e se relaciona ao trabalho e não exatamente a cor da pele.” existiria algum “lugar” de negros ? , o terceiro seria a insistência no errôneo (ou pelo menos dúbio) termo-conceito “negros e mestiços”, o termo negro já abrange em si os pretos (de fenótipo caracteristicamente africano) e os miscigenados (que guardam no fenótipo “marcas” desse fenótipo afrocaracterístico) nesse sentido estrito, seria portanto redundante falar em “negros e mestiços” ou “negros e pardos”; caberia apenas se por “mestiços” (e já expliquei minhas reservas quanto ao termo) estivessem sendo referenciados os miscigenados de raiz exclusivamente euro/indígena).

          Já com relação ao longo bloco sobre “negros integrados” (Machado, José do Patrocínio, você…) e mais de Zizek, etc…, vou citar alguns fatos que demonstram que mesmo essas raras “integrações” nunca foram plenas e só existiram parcialmente pelo “embranquecimento” social e principalmente pelo “auto-embranquecimento” (além é claro pela alta assimilação e adesão ao pensamento hegemônico e do poder):

          a) Por ocasião da morte de Machado em 1908, o Jornalista e Historiador José Veríssimo escreveu artigo em que o homenageava, não deixando porém de lembrar a sua condição de “mulato”, Joaquim Nabuco escreve então ao jornalista nos seguintes termos : “Seu artigo no jornal está belíssimo, mas essa frase causou-me arrepio: ‘Mulato, foi de fato um grego da melhor época’. Eu não teria chamado o Machado mulato e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese. Rogo-lhe que tire isso quando reduzir os artigos a páginas permanentes. A palavra não é literária e é pejorativa, basta ver-lhe a etimologia. O Machado para mim era um branco, e creio que por tal se tornava; quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava a sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só vi nele o grego. O nosso pobre amigo, tão sensível, preferiria o esquecimento à glória com a devassa sobre suas origens”.

          b) Após a Abolição da Escravatura, certa parcela dos grupos negros engajou-se na defesa do isabelismo, espécie de culto à Princesa Isabel que era por eles intitulada “Redentora”, como se a abolição houvesse sido um “ato de bondade pessoal” da regente. Um dos mais fervorosos adeptos desse pensamento foi José do Patrocínio, que procurou mobilizar ex-escravos para a defesa da monarquia, ameaçada pelo crescimento dos grupos que pretendiam implantar a república no Brasil. Este movimento culminou na constituição da Guarda Negra, espécie de tropa de choque composta por “capoeiras e marginais”, cuja principal finalidade era dissolver comícios republicanos pelo uso da força. Após a Proclamação da República, José do Patrocínio dissolveu a Guarda Negra, deixou de defender o Império e tornou-se republicano.

          Está ai a “mágica”, os negros “de fronteira” (de fenótipo muito próximo ao branco) ou os “brancos sociais” (e aqui acho importante uma pausa para ler o meu texto: A dispensa do “defeito de cor” ou a origem do “negro de alma branca” que explica que houve época no Brasil em que qualquer negro com boa formação e capacidade, para assumir cargos públicos ou eclesiásticos deveria assinar um documento “renegando” a sua negritude e pedido dispensa do “defeito de cor”) foram e são os que como você mesma diz “não propriamente ‘oprimidos’ “, pois de uma forma ou de outra “deixaram” de ser negros (ou “muito” negros… :-))

          Passando para a interpretação que faz de Zizek , Fanon e da Adiche… , nenhum deles nega o racismo ou o minimiza (nem mesmo Zizek que obviamente tem o pensamento mais próximo da esquerda ortodoxa e também o único não-negro), diferem basicamente na forma como o enxergam e nas estratégias no combate ao mesmo. Quando Fanon diz que “De modo algum tenho de me dedicar a reviver uma civilização negra injustamente ignorada” estava se referindo aos afrocentristas e seguidores da lógica do Marcus Garvey que pregava o panafricanismo e um retorno físico massivo à África, eu obviamente também não concordo com isso (e já expliquei no meu texto sobre “movimento preto” ), não somos africanos e sim afrodescendentes, temos que ocupar espaço social justo e plenamente integrado no contexto geográfico em que estamos inseridos, porém sem necessariamente termos que abrir mão de nossos valores civilizatórios ancestrais culturais e estéticos em uma assimilação completa e inquestionada à valores eurocentrados. Em momento nenhum falei que desejo ou que os ativistas desejam “vingar” a África ou os africanos, nosso desejo é corrigir a História “mal contada” (a tal “História única”, como diria a Adiche) pelos eurocentristas, em que os europeus e eurodescendentes e apenas eles são protagonistas da História e do processo civilizatório HUMANO, bem como as distorções sociais vigentes advindas desse processo histórico e psicológico de inferiorização e desqualificação dos não-brancos. Olha ai … “(a) discriminação e preconceito raciais não são mantidos intactos após a abolição mas, pelo contrário, adquirem novos significados e funções dentro das novas estruturas e (b) as práticas racistas do grupo dominante branco que perpetuam a subordinação dos negros não são meros arcaísmos do passado, mas estão funcionalmente relacionadas aos benefícios materiais e simbólicos que o grupo branco obtém da desqualificação competitiva dos não brancos.” (Hasenbalg, 1979, p. 85) “

          Por falar nisso , quando você afirma “Todas as tuas argumentações e as minhas também tem bases filosóficas e políticas no continente Europeu.” está confirmando que a sua mentalidade está completamente aprisionada pelo eurocentrismo (a base do racismo), se você acredita que as suas bases filosóficas são exclusivamente europeias, eu não…, eu bebo na fonte do mundo, da humanidade como um todo, na filosofia e cultura clássica e popular da europa, mas não só nela, também na sabedoria asiática Confucionista e de um Sun Tzu…, na filosofia africana do UNBUNTU (mais socialista que isso impossível) e na cosmovisão yorubana, na cultura “cabocla” que apropriou também valores civilizatórios (sim isso mesmo) dos nossos indígenas…, e nesse ponto é que surge a minha concordância e discordância com o Freeman…, sim devemos buscar “consciência humana”, universal e inclusiva… e isso ocorrerá quando a História incorporar de fato, de forma igualitária e justa todas as suas histórias e não apenas a “História única” eurocentrada, acontecerá quando de fato a cor ou origem passar a ser apenas detalhe fenotípico ou cultural, sem qualquer influência na mobilidade social (o que hoje não é ); a discordância vem do fato que Freeman parece achar que isso JÁ É uma realidade ou que ignorando e não contestando o atual “estado das coisas” virá a ser…, enquanto eu penso que ainda há muito trabalho e necessidade de conscientização e alteração de “Status Quo” para que tal objetivo ocorra; sem ações específicas, diretas e afirmativas isso não ocorrerá , a proposta do Freeman é como a de um socialista que antevê o socialismo implantado sem qualquer tipo de revolução…, utópico e ingênuo.

          Quando você diz “A abordagem da história da China pouco se relaciona com nossa identidade brasileira. “, revela novamente que está altamente influenciada por mentalidade “democrata-racial”, dando foco em um pensamento que bate muito bem com a visão de “povo brasileiro” defendida por Darcy Ribeiro, por sinal ideia falaciosa;

          Primeiro que tal pretensa “identidade brasileira” unificada, homogênea , cultural e racialmente mesclada, o que configuraria uma “nova etnia” segundo Ribeiro, não passa nem perto dos requisitos do que realmente configura um povo ou etnia (são sinônimos, aliás nação e tribo também) que seria língua própria e diferenciada (a nossa é herdada), cultura e tradições próprias e milenares (a nossa é um melt-pot herdado de várias fontes e introduzidas ao logo de apenas meio milênio ), cosmovisão e mito de criação próprios (não temos, assimilamos os vindos de várias fontes), noção de parentesco e consanguinidade remota (não temos, viemos de várias matrizes), ou seja, a “Etnia Frankstein” proposta por Ribeiro além de ser uma incoerência teórica e fática, vai no sentido oposto da nossa realidade de país multicultural e multiracial (de alta miscigenação físic e cultural é bem verdade), na realidade não somos um povo, nem uma nação (no sentido original do termo, experimente vir aqui ao Amazonas e perguntar a qualquer membro das 62 etnias indígenas a qual povo ou nação ele pertence…, com certeza não vai ouvir primariamente “brasileiro(a) e sim a sua real etnia), somos sim uma POPULAÇÃO, um aglomerado de pessoas em um mesmo território que compartilha itens amplos, como língua oficial, costumes gerais e nacionalidade e outros não comuns a todos como religiosidade, regionalismos (folclore, expressões idiomáticas, hábitos culturais), além de itens de cultura específicos dos diversos grupos formadores, aliás vide a Constituição : “Art 215 § 1º § 1º – O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. “ .

          Segundo, por não entender que se pretendemos caminhar para uma “Consciência humana” precisamos passar a ter uma formação literalmente mais humana, mais global (sem abrir mão de nossas especificidades nacionais, etc…) , não é certo em um mundo no qual a maior população é a chinesa com 1,339 bilhão de pessoas (quase ¼ de toda a humanidade) e cuja cultura e feitos civilizatórios tem consequências em toda a história mundial, ensinar as crianças que foram europeus que “descobriram” a América ou o Brasil, quando na realidade chineses, africanos , fenícios e até “bárbaros europeus “ como os Vikings, já tinham estado por aqui (inclusive com registros) muito antes…, fazer assim como fazia Joaquim Nabuco e outros contemporâneos, uma idealização da cultura grega antiga, porém sem explicar de quais fontes foram eles (os gregos) beber antes (o africano Egito por exemplo) é desonesto para com a contribuição civilizatória africana no processo civilizatório humano, ignorar que as mais antigas universidades do mundo (Gao, Tumbuctu e Djene) eram africanas, para falsa e hipocritamente atribuir tal protagonismo à universidades europeias, idem… , é desonesto fixar na mente das pessoas que a matemática é um legado greco-europeu quando na realidade o mais antigo objeto com fins matemáticos é do Sudão, ou o valor de Pi não ser desconhecido dos antigos Egípicios e Núbios (os gregos é que o assimilaram), ou ainda que o conceito de ZERO (imagine a matemática sem ele) não é originalmente europeu mas sim dos povos babilônios, hindus e maias, enfim, deslocar a história e valor civilizatório de um protagonismo exclusivamente eurocentrado é sim o primeiro passo, para termos uma sociedade e “consciência humana” em que valores étnicos, fenotípicos, etc.. não mais precisarão ser afirmados (colocados em lugar justo), pois lá já estarão.

          Ao dizer “Acreditar que exista uma história de homens negros ou brancos é simplesmente absurdo.” , você acerta no que seria ideal, mas conforme exposto no bloco anterior, erra ao não visualizar o que de fato ocorre, ao não se incluir de forma igualitária na Historia contada, as várias histórias que formam a grande e verdadeira História, a mesma se torna uma “História branca” contada a partir exclusivamente das referências e interesses eurocentrados, ” Enquanto os leões não puderem contar sua historia, a história será sempre a dos caçadores.” (Provérbio Yorubá)

          Comentando Fanon…, “”Ficaríamos muito contentes de saber que existe correspondência entre algum filósofo negro e Platão. Mas não podemos absolutamente ver como isso mudaria a vida de meninos de oito anos que trabalham nos canaviais da Martinica ou de Guadalupe.”, pois é…, até os maiores gênios tem seus momentos da mais absoluta falta de visão e raciocínio…, Fanon ignorou que se essas crianças negras estavam nos canaviais era por conta de um grande processo histórico e de formulação ideológica e sócio econômica chamado RACISMO e que “justificou” a exploração ignóbil da mão de obra africana e afrodescendente, apelando entre outras coisas para o seu “lugar natural” de não protagonistas da História, de “servos naturais” pela “insignificância civilizatória “ de seus ancestrais, a falta de exemplos e referências (convenientemente escondidos pela história eurocentrada) que contradissessem esse lugar “natural” e inferiorizado, tinham e têm o perverso objetivo de atuar psicologicamente tanto nos negros (destruindo a autoestima e impossibilitando o referenciamento positivo) quanto nos brancos (justificando mentalmente a sua “superioridade” ante “negros sem história”, sem referências que invalidassem a ideia de inferioridade determinista), se os brancos tivessem acesso a essas referências positivas, assim como os negros, muito do processo de embarreiramento sócio-econômico de negros (incluindo o familiar dos meninos dos canaviais da Martinica) estaria seriamente prejudicado, é preciso destruir a ideia de “lugar de branco” e “lugar de negro”, as referências positivas ajudam muito nisso… .

          E para finalizar, penso que é preciso rever o seu conceito de minorias, ele não deve ser quantitativo mas de inclusão social, um governo que reflita proporcionalmente a composição étnica, racial ou de origem social de sua população, jamais será um governo de minoria, depois, em nenhum momento me referi a conflitos étnicos como causa ou em comparação da situação brasileira, apenas expliquei o conceito universal da hipodescedência (e isso independe de conflitos específicos estabelecidos em função de disputa por recursos ), grupo social é todo o recorte de uma sociedade que se pode identificar claramente por uma ou mais características, condições ou autoidentificação, logo, grupos étnicos ou grupos raciais (que são coisas diferentes) são grupos sociais que obviamente podem fazer intersecção com outros grupos (uma pessoa pode ser ao mesmo tempo de vários grupos, negro, homossexual, feminino, deficiente físico, quilombola, católico, classe C… ) , não acredito que não haja solução para discriminação e preconceito, caso contrário não estaria militando metade da minha vida (há 25 anos) :-), e afinal.. de onde é que você tirou essa coisa de ter que negar sua mãe ???? :-), você não tem que negar sua mãe (assim como eu não tenho que negar minha filha…) mãe é mãe… e sempre vai ser, o que precisa ficar claro é que a situação política da sua mãe e da família original dela (bem como do grupo social dela, o branco, grupo do qual você não faz parte, apesar de conviver majoritarimente dentro dele) já está resolvida, não precisa ser afirmada, enquanto a do grupo do seu pai, o seu, o meu e de todos nós que não somos brancos, não…, se posicionar ideologicamente e politicamente enquanto negra (e assumir discurso coerente com), não exclui seu passado, sua herança familiar, sua afetividade, mas reivindicar sua “meia brancura” ou “fazer o jogo do branco “ é politicamente inútil, hoje o máximo que pode ocorrer é a sua carga discriminatória ser reduzida (mas não eliminada) já que como ensinou ORACY NOGUEIRA o preconceito e discriminação no Brasil são de “marca” não de origem, porém não vejo você com uma pessoa egoísta do tipo “pra mim tá bom, os outros que se lasquem”, enquanto esquerdista declarada, está na hora de assumir uma posição pragmática e realista no combate a essa mazela que nos desiguala massivamente que é o racismo, e colocar sua grande erudição e disposição a serviço de uma causa verdadeiramente justa.

          Ah! e desculpe, bem que queria sintetizar, mas me empolguei… 🙂
          Afroamplexos !
          Juarez

      2. Adoria responder todos os seus pontos, mas como informei anteriormente somente terei esta possibilidade daqui há uns quinze dias. Estou realmente muito ocupado no momento.
        Mas não resisti em fazer dois comentários muito importantes: O primeiro é sobre Nabuco: quando ele se refere a uma identificação entre Machado de Assis e os gregos refere-se a uma absorção cultural. Um modelo de absorção e compreensão de conceitos com bases na Grécia Antiga, no movimento renascentista e no movimento Ilustrado do século XIX. Pensemos com base nas ideias circundantes no século XIX e teremos muito esclarecido que Nabuco ao afirmar a capacidade de um homem “mulato” (e não rejeto a palavra sendo a rigor por ela que me defino) em apreender a ampliar a compreensão de valores que para o racista não poderiam ser compreendidos por homens negros.
        Em segundo, e decorrente do primeiro apontamento temos todo o meu incomodo com o discurso que o movimento negro criou baseado em movimento cínicos (os movimentos de minoria que negligenciam as questões de classe que são o ponto crucial de nossa sociedade: lutar pelo direito de agredir, dominar e explorar não pode ser visto como progressista apesar de discursivamente alinhar-se à esquerda) . O incomodo reside na ideia mesmo de afro-descendencia.O que é um afro -descendente? Sinceramente, não sei o que isto significa porque não sou racista. Não mesmo! Há ancestralidade natural -que me impõe a condição natural de ser mulato – não define minha cultura nem mesmo a forma como eu mesma e os outros irão lidar com a distinção que é vista. O sentido em relação as diferenças é sempre culturalmente construído e, portanto, não cabe uma naturalização relacionada como disse Fancis Fanon e Zizek à continente que muito pouco me diz. O fato de ser eu preto, pardo, negro, mulato ou o corresponde que preferir não me relaciona à África mais do que relaciona os bons homens portugueses que postulam da fé do candomblé (nociva como todas as outras, ao meu ver). Por que não é uma relação natural, dada. Mas uma relação que se estabelece subrepticiamente em sobrevivências de elementos culturais que foram compartilhados por quase todos os membros das classes subalternas. A limitação às classes subalternas delimita a questão de classes que define, a rigor. a condição de todos os homens de cor (incluindo os brancos) que em sua enorme grande gigantesca maioria são pobres e explorados, ao mesmo tempo, em que a reificação dos racismos infere-lhes divisões falsas e cínicas como informa Zizek em muitos de seus livros.
        Sua informação a respeito de seu posicionamento foi por mim aceita, mas não corroborada. Quando o leio, leio as palavras de um liberal democrata. Muito pouco afeito ao pensamento efetivamente de esquerda.
        As demais questões, prometo responder-lhe assim que tiver tempo. Não estou fugindo, apenas adiando os comentários porque realmente estou soterrado em trabalho no momento e não gostaria de responder às questões sem pormenorizar o suficiente e ser justa com o pensamento do opositor.
        Cordialissímas saudações e se vier ao Rio procure-me para que possamos ter uma boa conversa pessoalmente,
        J.

        1. Sem pressa J., fique a vontade para responder dentro da sua disponibilidade de tempo, aqui não há prazos… 🙂 , um detalhe interessante é que lendo seus textos eu tinha entendido pelas flexões que tinha o gênero feminino…, só agora nesse último é que ficou muito claro ser masculino, desculpe se não prestei atenção e inverti o tratamento nos textos passados. Só para juntar à massa reflexiva que terá nos próximos dias até poder responder mais duas coisinhas curtas :

          Primeira, o conceito de “esquerda” ou qualquer outro agrupamento político ideológico, não é absoluto e estático, como tudo é coisa dinâmica e que evolui, basta ver os posicionamentos e ações de pessoas e agremiações reconhecidamente de esquerda (ou de base esquerdista) que se deslocaram da “esquerda da esquerda” para posições menos radicais e mais pragmáticas dentro do que ainda pode ser considerado esquerda ou até mesmo para muito além do que seria “centro” avançando inclusive o espaço da “Direita”, nem os “Komrade” ou “Tovarish” da finada URSS, da China ou de Cuba, são tão “socialistas” como foram antes…, coisa para pensar.

          Segunda, se tem uma coisa em que concordo com Nabuco é que o termo “mulato” é pejorativo e em tudo deveria ser evitado…, diferentemente da re-significação lexológica e política que o termo negro (também de origem pejorativa a partir do tráfico transatlântico) obteve, o termo mulato permaneceu com o mesmo sentido (apesar de muita gente nem saber o seu sentido original), assim como Nabuco não gostou de ver tal infâmia aplicada à seu dileto amigo Machado, não julgo que o meu dileto antagonista mereça (ou pior ainda, se auto-vilipendie com) tal ofensa.

          Segundo o Diccionario de la Lengua Española da Real Academia Española em sua vigésima segunda edicão :

          mulo.(Del lat. mulus).

          1. m. Hijo de caballo y burra o de asno y yegua, casi siempre estéril.

          2. m. coloq. Persona fuerte y vigorosa.~ castellano.

          1. m. El que nace de garañón y yegua.ser alguien un ~ de carga.

          1. fr. coloq. Ser el encargado de los trabajos pesados.

          mulato, ta.(De mulo, en el sentido de híbrido, aplicado primero a cualquier mestizo).

          1. adj. Dicho de una persona: Que ha nacido de negra y blanco, o al contrario. U. t. c. s.

          2. adj. De color moreno.

          3. adj. Que es moreno en su línea. 4. m. y f. ant. muleto.

          Onde fica obvio que a palavra mulato, vem realmente do espanhol mulo conforme mostra o dicionário, um animal híbrido filho de um cavalo e um burro ou de um asno e uma égua, pelo sentido de híbridismo deu origem à palavra mulato que significa: filho de pai branco e mãe negra ou vice versa, mas antes disso a “aberração” do encontro de “espécies distintas” a quem só pode caber “los trabajos pesados” e “ser alguien un ~ de carga” . O verbete traz logo no inicio uma pequena nota explicativa mostrando que esta palavra, mulato, é sempre aplicada a um “mestiço”.

          Nas colônias espanholas e no Brasil colônia era o tratamento que as senhoras de engenho davam para os filhos ilegítimos dos senhores que faziam das escravas suas peças para sexo!, na realidade um insulto que foi incorporado na vida cotidiana de tal forma que é aceito por um bom grupo de pessoas como um mero adjetivo . O que também deixa claro que o miscigenado tal qual o “preto retinto” fazia parte da mesma “massa de negros iguais”, passíveis de toda sorte de exploração e agruras.

  5. esbarrei por acaso no blog, a discussão e os argumentos são bem interesantes.
    mas o fato inegável, é que nada dessa teoria toda se encaixa no Brasil. não nesse que vivemos atualmente. mas estou gostando de ler tudo isso.

  6. adorei Juarez…ñ lhe conhecia e agora vou “forçar” esse conhecimento pessoalmente.rsrsrs.em relação ao debate com o “J.”,tive a certeza que vc conhece a história e a estória e ele somente a estoria.fica dificil qualquer explicação apesar do “J.”,mostrar um conhecimento amplo sobre o que fala,mesmo que tenha lhe sido imposto pelos “vencedores da história”.rs.e ainda por cima é fruto de uma relação inter etnica,segundo ele.e essas pessoas são confusas,pois ñ tem definição e geralmente partem para o lado que mais lhes convém,ou seja;a defesa do branco e a negação do racismo.

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