Amazonenses: aprendendo na marra os efeitos da universalização na concorrência para a universidade.
A UFAM-Universidade Federal do Amazonas, assim como muitas universidades brasileiras, adotou no último processo seletivo o novo SISU (Sistema de Seleção Unificado do MEC) utilizando o resultado do ENEM em substituição ao vestibular (processo seletivo macro).
Como já havia previsto e dito em outros espaços, isso seria extremamente desvantajoso não apenas para os estudantes do Amazonas, mas para os de todos os estados fora do eixo de desenvolvimento sul/sudeste brasileiro.
Resultado: 40% das vagas de Direito, 70% das de Odontologia, nas Engenharias uma média de 50% e nada menos que 100% das vagas de Medicina foram preenchidas por estudantes de outros estados…, quando visto no geral o percentual médio de classificação por estudantes de outros estados foi de 45% .
Não sei se foi ingenuidade, desconhecimento da realidade, excesso de confiança ou tudo isso junto…, mas estava "na cara" que isso iria acontecer; motivos ???; simples… : a diferença dos níveis gerais de desenvolvimento econômico e social (que se reflete nas oportunidades educacionais e por conseguinte no coeficiente competitivo de acesso universitário) entre as regiões.
Ao basear-se na ideia que formalmente "todos são iguais" (portanto em tese, aptos a concorrer "de igual para igual" sem qualquer reserva por recorte) cometeu-se o grave equívoco de ignorar a questão da "desigualdade material" .
Isso não quer dizer que o estudante amazonense ou amazônida seja "menos capaz", "menos inteligente" ou "menos esforçado" que os dos estados mais desenvolvidos, mas simplesmente que toda uma situação histórico-social leva os estudantes dos estados mais desenvolvidos a terem no geral mais e melhores oportunidades e qualidade de ensino, que os leva obviamente a se sairem bem ou ligeiramente melhor em competição direta, sem reserva de vagas ou sem elemento equalizador (bônus na média por exemplo).
Em outras palavras; para quem ainda não tinha entendido o motivo pelo qual se defende as Ações Afirmativas no Ensino Superior (notadamente as COTAS SOCIAIS e SÓCIO-RACIAIS) é exatamente o mesmo motivo…, não se trata de CAPACIDADE nem INTELIGÊNCIA, muito menos de qualquer "determinação meramente biológica", é antes de tudo uma questão de OPORTUNIDADES PRÉVIAS HISTÓRICA E GENERALIZADAMENTE DESFAVORÁVEIS para determinadas POPULAÇÕES (seja observando o recorte regional, social, "racial", de gênero, etc…).
O mesmo sentimento de "injustiça" que agora se abate sobre os estudantes e pais amazonenses ao ver uma ocupação "regionalmente desproporcional" da Universidade Federal do Amazonas, deveria ser o mesmo ao se constatar a desproporcional ocupação por cor e padrão de renda das universidades brasileiras ( coisa que ninguém "enxergava" nem achava "injusto", pois não lhes "apertava o calo").
Espero que agora (pelo menos os amazonenses e pessoas de outros estados prejudicados) parem de repetir alienadamente as "pérolas" do pensamento excludente das "elites" (capitaneadas pelas do sul/sudeste) :
"O mérito é o que importa, tirou a nota mais alta?, leva…"
"O problema é a Educação básica, é preciso melhorá-la para que todos tenham igualdade " ( enquanto isso…, se deixa como está o processo injusto de acesso por mais algumas décadas, prejudicando gerações e mais gerações) .
"Se criar cotas, vai se acirrar o preconceito e o 'ódio regional' "
"Se não mantiver como critério apenas o "mérito" do valor absoluto da nota de acesso, a qualidade da universidade vai cair"
"O amazonenses não deveriam aceitar cotas ou concursos presenciais locais, isso é 'esmola' "
"Todos temos a mesma capacidade, por qual motivo não concorrer 'de igual para igual' entre os estados… ? "
"Existem amazonenses ricos também…, limitar vagas (cota) não é justo para com os 'pobres' de SP, RJ, MG… "
Talvez agora que estejam "sentindo na pele" a iminência de uma ocupação da Universidade Federal proporcionalmente "injusta" e com uma competição "desleal" (pelo menos nos cursos "filé") , entendam que em um país com tanta diversidade e desigualdade, não leva-la em conta na hora de preencher um espaço crítico para a mobilidade social é muito injusto, principalmente quando se está do lado "prejudicado"… .