20 de abril de 2024

 
Ao rever em um blog de um conhecido (por sinal Juiz),  um post com o banner da campanha "Começar de novo" do CNJ-Conselho Nacional de Justiça, que visa facilitar a ressocialização de ex-detentos mediante a oportunidade de emprego (por sinal uma campanha válida e  de objetivo nobre),  imediatamente me "acendeu o sinal amarelo" (confesso na primeira vez tinha me passado desapercebido, por achar que poderia ser um problema de má edição da imagem, já que a mesma tinha sido visivelmente  "recortada" para se acomodar ao lay-out) e vim ao google atrás de reações na web e verificar se a imagem era "oficial" da campanha e o CNJ teria mantido a mesma.
 
Primeiro visitei o site do CNJ, mas não vi o banner entre as imagens oficialmente disponibilizadas para a campanha, depois fui ao google para ver se havia "reação" e praticamente não achei nada (a não ser em um blog  cujo proprietário tinha tido a mesma percepção e se preocupava com a possível repercussão), achei também a imagem completa do banner (acima ilustrando o post),  de fato embaixo aparece o logo-endosso do CNJ.
 
Para quem ainda "não entendeu ou percebeu algo de errado" , a questão está na "mensagem" implícita na imagem, que faz  associação entre "claro/branco" e trabalho e "escuro/negro" com crime…, isso se chama semiótica (induzir através da imagem a uma visão ou ideia que se pretende passar) 
 
Como sabem, sou  negro e ativista do movimento há 22 anos, mas  até hoje (21/01) não havia visto nenhum comentário sobre a questão…, na realidade creio que  por a campanha ter começado em dezembro, mês de festas e férias e não ter tido ainda grande repercussão, simplesmente passou desapercebido, ninguém do movimento notou,  por isso não houve  reação previsível.
 
Não encontrei exatamente a mesma peça entre o material oficialmente disponibilizado pelo CNJ, mas uma semelhante em outro banner , é de se deduzir que "alguém se tocou" do ato falho e alertou para que se   procedesse "discretamente" a remoção do banner mais polêmico…(que a essa altura já estava circulando por ai), há além dele um outro banner no mínimo "intrigante" :
 
Seriam os dois empregadores ?, os dois seriam ex-detentos ou um seria o empregador e o outro ex-detento ?,  partindo da ideia que há "duas pontas" na questão, imaginaríamos pelas "leis" da semiótica que a terceira opção é a mais viável…,  pelas mesmas "leis"  o "branco" estaria automaticamente associado a "banco de empregos" que aparece na mesma sequência e que o "negro" estaria associado a "ex-detento" que aparece em segundo assim como a posição no banner ( na realidade a ideia não está fora da probabilidade se observada a cor da população carcerária brasileira), mas um campanha desse naipe bem que poderia aproveitar para não "reforçar estigmas" .
 
É claro que ninguém acredita que houve por parte do CNJ intenção de reproduzir/ fomentar preconceito, mas houve com certeza  uma "comida de mosca não intencional"  de quem produziu a peça e de quem a aprovou sem "ver nada de mais" ("coisinhas que acontecem" em nosso "país-não racista"). 
 
Essa associação de claro com "o bem" e escuro com "o mal"  (e nesse caso "ex-mal" ) é no mínimo dúbia e de mau gosto, além é claro de nociva à tentativa de reverter o preconceito "racial" e de estabelecer uma nova ótica (se não positiva pelo menos não depreciativa) sobre o negro.
 
Muitas pessoas brancas tem o "costume" de dizer que negros e principalmente os ativistas são "paranóicos" e "complexados" e que "enxergam chifre na cabeça de cavalo"… (isso já ocorreu inclusive entre altas autoridades da república), mas o fato é que "Melanina na pele dos outros é refresco"; só quem não está do lado atingido pela violência psicológica e  não raro sutil do racismo brasileiro, "não sente nem percebe" o racismo aberto ou velado, efetivo ou simbólico que permeia a nossa sociedade ("quem bate não chora, não lembra; quem apanha nunca mais esquece…" ).
 
Creio que o restante do MN (Movimento Negro) ao tomar conhecimento  do fato, não deverá ter análise e reação muito diferentes, nem o fato deve gerar "extrema indignação", a maioria deve seguir a linha de visão que já demonstrei e equilibradamente alertarão o CNJ e sociedade sobre os riscos dessa utilização nociva da semiótica e da necessidade que as instituições  e pessoas  se empenhem mais em reconhecer e evitar atos que sejam efetivamente, ou possam vir a ser, vistos como racismo institucional.
 
Ao contrário do que os "neo-democratas-raciais" anti ações afirmativas (festejados pela grande imprensa),  disseminam, o MN tem uma causa justa e pessoas conscientes da realidade e da necessidade de muda-la, primária e preferencialmente de forma embasada, pacífica e ordeira, mas firme e determinada. 
 
"Pecar pelo silêncio, quando se deveria protestar, transforma homens em covardes." (Abraham Lincoln), e isso decididamente não somos…

Sobre o autor

0 thoughts on “Campanha do CNJ com semiótica dúbia…

  1. Juarez parabéns!!!
    Os maiores ladrões, pilantras, safados e corruptos do nosso país não são negros ou pretos.
    O caráter de um homem não está na cor, não vi nenhum negro colocando dinheiro nas meias ou nos bolsos no mensalão do Arruda.
    Nossa democracia faz o pior tipo de preconceito que existe o VELADO, e as pessoas não o percebem. A maioria das campanhas publicitárias associam a pobreza, a miséria, o crime e tudo o quanto não presta, ao negro ao mestiço, há muito para ser repensado em nossa sociedade, quanto  tempo levará para que a pessoa humana deixe de ser  julgada pela cor da sua pele?

  2. Juarez parabéns!!!
    Os maiores ladrões, pilantras, safados e corruptos do nosso país não são negros ou pretos.
    O caráter de um homem não está na cor, não vi nenhum negro colocando dinheiro nas meias ou nos bolsos no mensalão do Arruda.
    Nossa democracia faz o pior tipo de preconceito que existe o VELADO, e as pessoas não o percebem. A maioria das campanhas publicitárias associam a pobreza, a miséria, o crime e tudo o quanto não presta, ao negro ao mestiço, há muito para ser repensado em nossa sociedade, quanto  tempo levará para que a pessoa humana deixe de ser  julgada pela cor da sua pele?

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