10 de outubro de 2024

Seção Copia Total  ver 2.0

Abaixo mais um texto que merece ser divulgado na íntegra (com os devidos créditos obvio…), mesmo eu não gostando nada de futebol… :-):

O ORFEU DAS PRANCHETAS
Fabrício Carpinejar

O Campeonato Brasileiro de 2009 escreve o derradeiro capítulo do livro “O Negro no Futebol Brasileiro”, de Mário Filho, clássico de 1947 do irmão de Nelson Rodrigues.

O palco do épico curiosamente será o Maracanã neste domingo (6/12), no duelo entre Flamengo e Grêmio. No Maracanã, justo no estádio batizado de Mário Filho, o nome do escritor. Uma coincidência emocionante.

O protagonista é o mineiro Jorge Luís Andrade da Silva, o Andrade, ex-jogador do Mengo da geração vitoriosa dos anos 80, que formou uma das armações mais compactas e habilidosas do Brasil, ao lado de Zico e Adílio.

Andrade poderá ser o primeiro técnico negro campeão brasileiro. Foram raros, foram poucos os que regeram a casamata do estádio. Ele põe fim ao apartheid da última hierarquia do esporte. Até o exército foi mais justo antes.

Não há negros no comando dos nossos principais times. Existem preparadores físicos, assistentes, dirigentes. Mas nunca existiu um negro mandando numa grande esquadra, organizando taticamente o elenco, dando a palavra final sobre a escalação. É como se ele pudesse chefiar com a bola nos pés, não fora do campo. Como se o negro fosse um operário, vetado como engenheiro, proibido como arquiteto das emoções das arquibancadas. Como se relegasse ao negro o papel de ator, não permitindo seu desempenho como cineasta, barrando a função autoral e a inteligência operística.

Mesmo depois de Leônidas, Zizinho, Domingos da Guia, Didi, Garrincha e Pelé, o negro era um tabu como treinador dos maiores clubes. E pensar que a mudança demorou a acontecer nas planilhas. Dentro de campo, estava resolvida na década de 50. Segundo Mário Filho, o futebol passou por três grandes fases: 1900/1910 (elitização), 1910/1930 (exclusão de negros; Vasco é o primeiro time a adotá-los e lutar contra a discriminação) e 1930-1950 (ascensão social dos negros e liberdade racial).

Está caindo o último bastião do racismo no país. Acabaram as restrições.

Andrade é o Orfeu das pranchetas. Realizou uma revolução no vestiário, uma revolução de abrigo, só comparável à grandeza heroica de um Pelé fardado. Desde 2004, espera sua chance de efetivação no Flamengo. Já salvou o time da degola como interino, já foi suplente diante das demissões de Celso Roth, Joel Santana e Ricardo Gomes. Durante cinco anos, engoliu sapos, recompôs diplomaticamente suas frustrações e expectativas, aceitou passivamente os interesses das bolsas de valores. O folclore conta que Cuca o colocava para completar a barreira nos treinos, durante a cobrança de faltas.

Andrade é o principal personagem. Não será Petkovic ou Adriano. É ele. Com seu temperamento discreto, abalou a onipotência dos supertécnicos como Luxemburgo e Muricy, mostrando que altos salários não significam sucesso. É o gracioso urubu no meio das garças à beira do gramado. Abre passagem a uma nova geração de estrategistas das categorias de base. Indica que os responsáveis pela entressafra alcançam fartas colheitas. Não briga com a imprensa, não grita mais do que o normal, não arma segredos de Estado, não se escandaliza com as críticas. Difere do tom casmurro e embirrado de parte dos seus colegas e da histeria autoritária das estrelas de terno e gravata. Não é paranóico, não se vê perseguido e injustiçado nas coletivas. Tem samba no sangue, uma alegria mansa, um amor antigo pelas redes. É resolvido o suficiente para suportar qualquer pressão. Escuta mais do que fala. Porta-se com a audição de um juiz, longe da tradicional oratória de um promotor. Não é por acaso que faz acupuntura nos ouvidos.

Ao assumir o comando em julho, Andrade retirou o rubro-negro de baixo da tabela, conseguiu um aproveitamento de 72,5% em 17 jogos.

Mário Filho deve encontrar agora uma posição confortável no túmulo. Graças a Andrade, lavamos definitivamente o pó-de-arroz da pele.

http://rolocompressor.zip.net/arch2009-11-29_2009-12-05.html#2009_12-02_16_05_56-8340160-0
 

 

Sobre o autor

0 thoughts on “O ORFEU DAS PRANCHETAS

  1. Não gosto de futebol, mas ouvindo conversas de colegas e lendo pela web, deu para constatar uma coisa que muita gente não percebe em si mesmo…, a "naturalização" da visão de  subalternidade negra e a "falta de paridade" quando se trata de valorizar o trabalho de negros e brancos.
    Exemplo são os posicionamentos com relação ao salário do Técnico Campeão de 2009…, apesar de só recentemente ter sido efetivado como técnico de um time grande, experiente já poderia se-lo  desde 2004, e  só não o foi devido a preconceito (o que não impediu de ser considerado para sub de diversos técnicos, claro ganhando muito menos…), esse fenômeno atinge negros de todas as profissões, que além de chegarem muito mais tarde aos postos de comando, continuam ganhando menos que a média…
     
    Salários de Técnicos de Futebol no Brasil:

    Muricy Ramalho (Palmeiras ) -R$ 500 mil

    Vanderlei Luxemburgo (Atlético Mineiro ) – R$ 500 mil – no período em que comandou Palmeiras e Santos

    Carlos Alberto Parreira (No Fluminense ) – R$ 350 mil

    Mano Menezes (Corinthians ) – R$ 350 mil

    Dorival (No Vasco) – R$ 280 mil

    Cuca (Fluminense ) – R$ 200 mil (no Flamengo recebia 150 mil)

    Estevam Soares (Botafogo ) – R$ 80 mil

    Andrade (Flamengo ) – R$ 50 mil, reajustado para R$ 150 mil após a conquista do Campeonato.
    O salário de Andrade era o menor de todos os técnicos de times grandes…, mesmo com o reajuste de 3 vezes permanece "no fim da fila", só ganha do Técnico do Botafogo (que por pouco não é rebaixado…)
    E tem gente achando que mesmo tendo levado ao topo um time que  por 17 anos não conquistava o brasileiro, Andrade não "provou" ser bom o suficiente e merecedor de um salário de "1o. time" (mas que nem está no patamar do oferecido a técnicos de times que não lograram êxito no campeonato 2009…), OK que experiência se constrói com o tempo, resultados, etc…, não se pretende que no primeiro campeonato conquistado como técnico, haja "equiparação" com técnicos já campeões em outros anos e mesmo com experiência internacional e de seleção… ; o que tem que ficar claro é a dificuldade e o "timing" muito maiores  para "chegar lá" sendo um negro… , as pessoas acham "natural " que se "mate 3 leões" para provar algo que outros obtem  apenas "matando 1 leão" …
    Basta comparar as carreiras de jogador de alguns contemporâneos brancos de Andrade no Flamengo… (Zico por exemplo), ou   com a "carreira Técnica" de Dunga… que já estreiou como Técnico direto  na Seleção aos 42 anos; Andrade "ralou" como "quebra-galho" técnico por anos sendo 6 vezes "testado" para só então ser efetivado como técnico do Flamengo (ganhando o menor salário entre os times grandes) isso aos 52 anos…. (só para constar… Zico seu companheiro dos tempos de jogador no Flamengo, iniciou carreira de treinador (internacional) aos 46 anos, não iniciou antes no flamengo porque não quis…)

  2. Não gosto de futebol, mas ouvindo conversas de colegas e lendo pela web, deu para constatar uma coisa que muita gente não percebe em si mesmo…, a "naturalização" da visão de  subalternidade negra e a "falta de paridade" quando se trata de valorizar o trabalho de negros e brancos.
    Exemplo são os posicionamentos com relação ao salário do Técnico Campeão de 2009…, apesar de só recentemente ter sido efetivado como técnico de um time grande, experiente já poderia se-lo  desde 2004, e  só não o foi devido a preconceito (o que não impediu de ser considerado para sub de diversos técnicos, claro ganhando muito menos…), esse fenômeno atinge negros de todas as profissões, que além de chegarem muito mais tarde aos postos de comando, continuam ganhando menos que a média…
     
    Salários de Técnicos de Futebol no Brasil:

    Muricy Ramalho (Palmeiras ) -R$ 500 mil

    Vanderlei Luxemburgo (Atlético Mineiro ) – R$ 500 mil – no período em que comandou Palmeiras e Santos

    Carlos Alberto Parreira (No Fluminense ) – R$ 350 mil

    Mano Menezes (Corinthians ) – R$ 350 mil

    Dorival (No Vasco) – R$ 280 mil

    Cuca (Fluminense ) – R$ 200 mil (no Flamengo recebia 150 mil)

    Estevam Soares (Botafogo ) – R$ 80 mil

    Andrade (Flamengo ) – R$ 50 mil, reajustado para R$ 150 mil após a conquista do Campeonato.
    O salário de Andrade era o menor de todos os técnicos de times grandes…, mesmo com o reajuste de 3 vezes permanece "no fim da fila", só ganha do Técnico do Botafogo (que por pouco não é rebaixado…)
    E tem gente achando que mesmo tendo levado ao topo um time que  por 17 anos não conquistava o brasileiro, Andrade não "provou" ser bom o suficiente e merecedor de um salário de "1o. time" (mas que nem está no patamar do oferecido a técnicos de times que não lograram êxito no campeonato 2009…), OK que experiência se constrói com o tempo, resultados, etc…, não se pretende que no primeiro campeonato conquistado como técnico, haja "equiparação" com técnicos já campeões em outros anos e mesmo com experiência internacional e de seleção… ; o que tem que ficar claro é a dificuldade e o "timing" muito maiores  para "chegar lá" sendo um negro… , as pessoas acham "natural " que se "mate 3 leões" para provar algo que outros obtem  apenas "matando 1 leão" …
    Basta comparar as carreiras de jogador de alguns contemporâneos brancos de Andrade no Flamengo… (Zico por exemplo), ou   com a "carreira Técnica" de Dunga… que já estreiou como Técnico direto  na Seleção aos 42 anos; Andrade "ralou" como "quebra-galho" técnico por anos sendo 6 vezes "testado" para só então ser efetivado como técnico do Flamengo (ganhando o menor salário entre os times grandes) isso aos 52 anos…. (só para constar… Zico seu companheiro dos tempos de jogador no Flamengo, iniciou carreira de treinador (internacional) aos 46 anos, não iniciou antes no flamengo porque não quis…)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *