O Direito para além dos Doutos em Direito
Imagem cascavilhada da web portuguesa
Tenho ao longo da vida me deparado com N situações que exigiram defesa de direitos (não necessariamente na Justiça), bem como, me envolvido em discussões as mais variadas, nas quais questões legais não raro se fizeram presentes. Assim também tenho visto muitas pessoas que não são formadas em Direito, se manifestando em matérias que envolvem o conhecimento de princípios, legislação, interpretação de leis, assuntos relacionados a operação do Direito, etc… .
Por outro lado, sempre que isso acontece aparece algum estudante ou Bacharel de Direito questionando mais do que a questão colocada em si, a “qualificação” do leigo para se manifestar em assunto para o qual “não tem formação”.
Será então que o conhecimento do Direito é uma exclusividade dos Doutos ? , o “homo-non-jurídicus” (termo inventado agora…, para designar aquele que não é Bacharel em Direito) seria incapaz de reconhecer e entender a leis que regem a sociedade ?
A se confirmar a “reserva intelectual” pregada pelos que pensam que somente a formação jurídica plena habilita ao conhecimento e discussão de assuntos direito-relacionados, teríamos logo de cara um paradoxo inaceitável no princípio “a ninguém é permitido desconhecer a lei”, ou em bom latinorium “ignorantia legis neminem excusat” .
É claro que não se trata de confundir a OPERAÇÃO PROFISSIONAL DO DIREITO com o conhecimento legal que em tese a nenhum cidadão é permitido alegar desconhecimento, muito pelo contrário…, a ideia é apenas deixar claro que todas as normas legais são feitas para a sociedade e pelos cidadãos devem ser respeitadas, o que por inferência pressupõe a capacidade de compreensão das mesmas, não apenas pelos operadores de Direito, mas pelos quem tem consciência da CIDADANIA, independente da formação que tenham.
Outro ponto é que o simples fato de não se ter graduação em Direito, não implica que o cidadão não tenha “nenhuma formação jurídica”, todo educador moderno sabe que a educação é um processo que se dá em vários espaços e de várias formas, para além das situações escolares formais. Eu por exemplo, um dos meus hobbies é eventualmente ler doutrina jurídica nas horas vagas, mas é sempre bom lembrar que o Direito (obviamente de forma básica/introdutória) é disciplina obrigatória de uma variada gama de cursos superiores, talvez pelo entendimento de que alguém com curso superior deverá estar preparado para ser um cidadão e profissional apto a interagir com vários aspectos da vida profissional e em sociedade (que obviamente são regidos por normas legais).
Há ainda as situações em que é exigido do profissional não formado em Direito, conhecimento em diversas áreas do mesmo. Bom exemplo são os cargos públicos em que tais noções são pesadamente testadas no concurso de acesso. Nos EUA em certos casos (inclusive graves) é facultado ao acusado realizar a própria defesa e sem ser advogado, no Brasil a Constituição Federal garante a qualquer cidadão peticionar aos poderes públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade e abuso de poder, o remédio heróico ou Habeas Corpus… .
Apenas como analogia, cito a situação da INFORMÁTICA (área da minha formação principal ), o conhecimento de Informática é multidisciplinar e popularizado, não é necessário ser profissional de informática para “conhecer” de informática, é claro que uma coisa é ter conhecimento em nível de usuário ou aficcionado, outra é ter formação para atuação profissional… . Mesmo assim, pelo fato da área não ser regulamentada e ter muitas sub-áreas específicas, temos atuando profissionalmente pessoas formadas em cursos fora das várias possibilidades diretas de formação em T.I. Será que dá mesmo para desqualificar alguém automaticamente de uma discussão ou realização de trabalho científico sobre uma área qualquer pelo simples fato de não ser graduado nela ?
Falando apenas em Brasil, já tivemos Médico Ministro da Fazenda, Economista Ministro da Saúde, Ministra do Meio ambiente (mundialmente reconhecida) formada em História…, o mais respeitado comentarista econômico do país é um… sociólogo, um dos maiores banqueiros era Engenheiro Eletricista…, o atual Ministro da Defesa é um Bacharel em Direito e temos um Presidente da República que fala (e é ouvido e respeitado ) sobre diversos temas e não é “formado” em nada.
No milênio iniciado a menos de uma década, o conhecimento multidisciplinar e o auto-didatismo são uma virtude e uma realidade, mas alguns “feudos de saber” ainda são defendidos como se na idade média estivéssemos… .